Sírios refugiados em igreja no Rio narram dramas e fugas da guerra

(G1/ Rio de Janeiro, 10/09/2015)  Casa de Apoio em paróquia de Botafogo, na Zona Sul, abriga nove sírios. Nos primeiros 8 meses de 2015, número de sírios na cidade dobrou.

As histórias das fugas e os horrores do dia a dia da guerra civil na Síria se cruzam dentro de um abrigo montado para refugiados em uma paróquia em Botafogo, na Zona Sul do Rio. O G1 visitou a Casa de Apoio para Refugiados, montada pelo padre Alex Coelho Sampaio, nos fundos da igreja de São Sebastião. Atualmente, entre 16 refugiados, nove são sírios. Uma delas, Sandy, 25 anos, chegou sozinha ao Brasil há três meses. Os pais dela morreram na guerra e uma irmã está na Turquia.

Sírios refugiados recebem hospedagem e alimentação na igreja em Botafogo, na Zona Sul (Foto: Káthia Mello/G1)
Sírios refugiados recebem hospedagem e alimentação na igreja em Botafogo, na Zona Sul (Foto: Káthia Mello/G1)

O trabalho da igreja tem apoio da Cáritas Diocesana, responsável pela assistência aos refugiados no Rio, que tem apoio do Acnur (Alto Comissariado da ONU para os Refugiados) e do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), órgão vinculado ao Ministério da Justiça. Segundo a Cáritas, somente nos primeiros oito meses de 2015, o número de sírios no Rio de Janeiro dobrou em relação a todo o ano passado. Até o final de agosto eram 108, contra 46 em 2014. Segundo Diogo Félix, assessor de informação da Cáritas Rio, depois da foto do menino Aylan Kurdi, 3 anos, que morreu no mar da Turquia durante a fuga dos pais, o número de oferecimentos de voluntários para trabalhar na Cáritas deu um salto. Em uma semana, mais de 200 pessoas se ofereceram para trabalhar com refugiados.

O padre conta que os árabes convivem harmonicamente no mesmo espaço com uma família ucraniana e outra nigeriana. Todos recebem moradia e alimentação pelo período de três meses.

Drama e saudade

O protético Khaled Feres, 27 anos, chegou há um mês. Antes, viveu na cidade de Campos, no norte do Estado. Ele conta que após a morte do irmão mais velho na guerra, o pai, um professor universitário em Damasco, decidiu enviar os três filhos homens para fora do país. Khaled foi enviado no ano passado ao Brasil, um outro irmão e sobrinhos foram para a Alemanha e outro está na Turquia. O sonho dele é estudar Odontologia e, por isso, decidiu vir para o Rio aprofundar os estudos em português.

Emocionado, ele conta que a família não está em segurança na Síria. Segundo ele, o bairro onde ele vivia era populoso com cerca de 20 mil pessoas. Atualmente, por causa da guerra, o local está deserto, com menos de mil pessoas. “Sinto falta da minha família. Se meu pai, minha mãe e minha irmã viessem para cá eu ia esquecer a Síria. Não ia ter saudades de lá, mas meu pai diz que não quer sair da sua casa. Ele sempre me diz que a casa dele é o seu país”, disse.

Ele diz que não quer ir embora do Brasil e relatou experiência de preconceito que sofreu no Líbano, onde ficou um mês antes de chegar aqui. Para Khaled, o sentimento de ver os refugiados fugindo para a Europa é de tristeza. Ele diz que fica pensando que pode ter conhecidos, amigos e até parentes no meio dos refugiados.
Padre Alex diz que é chamado de pai pelos refugiados. Ele estuda árabe, o que facilita o contato e a comunicação com o grupo. Ele conta que a ideia de criar o centro foi a guerra na Síria. “Fiquei sensibilizado com a guerra e abri a casa. Procurei a Cáritas e disse que tinha o espaço. Comecei com um quarto e tive que ampliar porque começaram a chegar mais sírios no Rio”.

No espaço do abrigo ele escreveu frases de boas vindas e criou regras de convivência, como horários de almoço e café da manhã. Ele diz que mantém o espaço com doações. No momento ele pode receber mais quatro refugiados. No entanto, tem capacidade para abrir mais 16 vagas. A alimentação é o principal problema e a ajuda que ele recebe é da comunidade que frequenta a igreja. As doações podem ser feitas durante a semana, entre 8h e 18h.

O pároco diz que a casa tem normas. Segundo ele, fumar narguilé está liberado desde que seja feito do lado de fora para não incomodar as outras pessoas. Os momentos da reza muçulmana ocorrrem normalmente, segundo o padre dentro dos quartos. “Eu sempre digo para eles. Deus é um só, para mim e para você. E, nós somos irmãos. Isso é fundamental para a boa convivência”.

Padre Alex conta ainda que muitos chegam feridos e com abalos psicológicos. Segundo ele, alguns até têm pesadelos à noite. Ele conta que gosta de incentivar os jovens a estudar. No alojamento é comum encontrar livros abertos e computadores com lições de português. Para atender aos refugiados, a paróquia conta com uma cozinheira, uma pessoa para limpeza e Ali, 43 anos, um sírio que fugiu da guerra e foi contratado pelo padre para trabalhar na igreja.

Falta de moradia e sobrevivência

A família de Mohamed Ebraheen, 20 anos, está no Rio há quase dois anos e, para sobreviver, ele e o irmão de 23 anos vendem salgados árabes a R$ 10, na rua Voluntários da Pátria, ao lado da igreja. Ebraheen conta que agora eles estão enfrentando dificuldades porque precisam de um lugar para morar. Um dos irmãos era soldado do exército sírio e fugiu para se reunir à família no Brasil.

“São seis pessoas na família e nós vivemos de favor. Agora temos que alugar uma casa e é tudo muito caro. Vender salgados ajuda, mas não é suficiente”. Ele já fala português, mas diz que o pai, a mãe e os irmãos ainda encontram dificuldades com a língua. Segundo ele, a Europa seria o melhor destino porque os governos oferecem moradia.

O representante da Cáritas disse que a “onda de solidariedade” é importante, mas não são só os sírios. ” É importante as pessoas saberem que não são só os sírios. Trabalhamos com africanos e refugiados de outros países. A onda de solidariedade é legal, mas não pode ser seletiva”, disse

A Cáritas recebe doações na sua sede na rua São Francisco Xavier, 483, no Maracanã. No momento eles precisam de alimentos, colchões e itens de higiene pessoal.

Pedidos de vistos e refúgio

De acordo com o Ministério das Relações Exteriores, até o dia 31 de agosto, os consulados do Brasil em vários pontos do mundo concederam 7.800 vistos e 2.077 sírios já foram reconhecidos como refugiados no país. Eles são maioria dos refugiados no país, segundo o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), de um total de 8,4 mil refugiados no Brasil.

Os sírios que fogem do país procuram principalmente o consulado brasileiro em Beirute, no Líbano e depois o de Aman, na Jordânia, Ancara e Istambul, na Turquia.

O Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) tem reunião marcada para o dia 21, onde deverá prorrogar as regras que facilitam o refúgio de sírios no Brasil. Em vigor desde 2013, a norma que simplifica a concessão de visto a imigrantes daquele país venceria no final de setembro.

O Conare é presidido pelo Ministério da Justiça e reúne ainda os ministérios das Relações Exteriores, da Saúde, do Trabalho, entre outros. As solicitações de refúgio no Brasil são encaminhadas ao órgão, que avalia e julga se aceita ou não os pedidos de ajuda.

Regra

A resolução do Conare de 2013 que facilitou a concessão de vistos aos sírios, e que deve ser prorrogada, explica que a medida de facilitação do visto aos sírios foi adotada considerando a crise humanitária gerada pelo conflito na Síria e o alto número de refugiados gerado pelos confrontos.

Para fazer um pedido de refúgio ao governo brasileiro, o estrangeiro deve estar em território nacional e procurar um posto da Polícia Federal ou do Ministério da Justiça para esclarecer sua situação.

Na época em que a resolução foi adotada, o Itamaraty explicou que os critérios para a concessão do visto podem variar de acordo com cada pedido. Em alguns casos, por exemplo, o governo pode relevar o fato de o solicitante do visto não ter comprovado emprego fixo na Síria. Em outros casos, poderão ser aceitos pedidos sem que o cidadão sírio apresente comprovantes de renda.

Káthia Mello

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