Refugiados sírios no Brasil contam nova rotina e desafios

(Brasil Post, 19/09/2015) “Com a guerra, não dá para ficar lá”, conta Aziza Violin. A jovem, de 19 anos, saiu há dois da Síria, onde vivia com o pai, a mãe e as irmãs. Assim como outros 2.076 sírios, ela veio parar no Brasil, a mais de 10 mil quilômetros de Damasco, capital de seu país natal. Boa aluna, ela largou os estudos e começou a trabalhar em uma loja no Brás, em São Paulo, onde também aprendeu português. Até então, ela não falava “uma palavra” do idioma.

Por sugestão da Embaixada do Brasil em Beirute, no Líbano, o bairro na zona leste de São Paulo também foi o destino de Talal al-Tinawi, natural de Damasco. “São Paulo é onde tem dinheiro, onde tem trabalho”, conta o engenheiro mecânico, que gostaria de se mudar para o sul do País. Após o começo da guerra civil, Talal passou três meses e meio preso, por um engano do governo Sírio – ele e o procurado tinham o mesmo nome. Foi a gota d’água. Pouco tempo depois, ele desembarcava com a mulher e com os dois filhos, após 27 horas de viagem, no Brasil.

Nosso país é, atualmente, casa para 8.400 refugiados, de acordo com dados do Conselho Nacional de Refugiados (Conare), órgão ligado ao Ministério da Justiça. O número equivale a 1,05% do contingente de refugiados que a Alemanha estima receber apenas este ano, mas é quase o dobro dos refugiados que viviam no Brasil em 2010, 4.357.

Para Rita do Val, consultora em programas para refugiados e Coordenadora do curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina, nem sempre o Brasil é o “país dos sonhos” dos refugiados e quem vem pra cá, geralmente, já conta com uma rede de apoio. “Eles dificilmente saem de lá sem ter a noção da possibilidade de se organizar aqui no Brasil”, explica. Depois do Canadá, o Brasil é o país do continente americano que mais recebe sírios.

Talal, por exemplo, contou com o apoio de outros membros da comunidade síria no Brasil, mesmo sem nenhum conhecido por aqui. Durante três meses, ele viveu na casa de um conterrâneo, que também o ajudou a matricular os filhos na escola, a encontrar um apartamento e a frequentar as aulas de português. No entanto, ele veio para cá depois de tentar – sem sucesso – conseguir visto para outros países da Europa.

Mesmo com uma rede de apoio, o idioma é a primeira e principal barreira encontrada pelos sírios no Brasil, segundo a coordenadora de proteção do Caritas, Larissa Leite. “Enquanto você não consegue se comunicar, você não consegue nem absorver as diferenças”.

Junto com o aprendizado, vem o choque cultural, detalha Larissa.

“O papel da mulher, por exemplo, é diferente da nossa realidade. As mulheres adultas e solteiras relatam um antagonismo entre as oportunidades que elas têm aqui e o fato de que, nas suas comunidades, elas não são tão bem recebidas. Outro aspecto é que, apesar sermos um país mais aberto, as muçulmanas que usam o véu relatam a estranheza dos brasileiros que impacta, também, na busca de emprego.”

A cultura é também um ponto de preocupação para Talal, pai um menino e duas meninas. A mais nova, Sarah, tem sete meses e é brasileira.

“No islã, a mulher cobre a cabeça e não pode ter contato físico com os homens. Isso é difícil para mim. Eu gosto do Brasil, quero morar aqui, me acostumar. Mas não quero que meus filhos sejam iguais aos brasileiros, pois minha religião não permite.”
Futuro no Brasil

Quando Aziza saiu da Síria, faltava um ano para ela concluir os estudos. Na última semana, ela voltou às salas de aula, e cursa o 3º colegial em uma escola paulistana. Embora ainda não saiba o que quer fazer após concluir o ensino médio, a jovem não esconde a vontade de voltar para a Síria, onde o pai ficou trabalhando.

“Eu sinto falta de tudo. Da minha escola, dos meus amigos, do meu pai, até das ruas”, conta ela, que perdeu um amigo na guerra. “Todo mundo quer voltar, mas é difícil”.

Talal, por sua vez, descarta voltar a viver na Síria, mas tem vontade de ir visitar o pai, de 75 anos, e os irmãos que ficaram na capital Damasco.

Apesar da formação universitária em engenharia mecânica, ele ainda não conseguiu revalidar o diploma este ano, e planeja fazer a prova outra vez em 2016. Após trabalhar um tempo na feira da madrugada, onde vendia roupas infantis, Talal se dedica agora à culinária.

“Eu fiz uma festa de aniversário para a minha filha e duas voluntárias do Adus [organização que apoia refugiados] vieram e adoraram a comida. Elas comentaram comigo como o brasileiro gosta de comida árabe e criaram uma página para divulgar o trabalho e para receber encomendas.”

Após ganhar destaque na mídia nacional, Talal viu o número de pedidos subir de dois ou três por semana para dois ou três por dia. Com o apoio de voluntários, ele criou uma página de financiamento coletivo para abrir um empreendimento.

Braços Abertos

Foi a partir do final de 2013 e principalmente do ano de 2014 que o número de solicitações de refúgio por parte dos sírios aumentou drasticamente no Brasil. No ano de 2013, 284 sírios pediram refúgio no Brasil. Já em 2014 foram registradas 1.183 solicitações – ambas com 100% de aprovação. Neste ano, de acordo com o Conare, foram recebidas 890 solicitações de refúgio de cidadãos sírios.

A alta, no entanto, não é coincidência. Há dois anos, em 20 de setembro de 2013, entrou em prática a Resolução Normativa nº 17 do Conare, que facilita a concessão de vistos para todos os sírios – afetados por uma guerra civil que dura quase cinco anos e que já matou mais de 250 mil pessoas e fez com que mais de 10 milhões deixassem suas casas, segundo a ONU.

A resolução tem validade de dois anos, mas o governo já sinalizou que deve prorrogar a regra pelo mesmo período.

Segundo a professora do Val, além de ser uma questão humanitária, facilitar a emissão de vistos é, também, uma questão estratégica. “O ideal é organizar, pois, na medida em que a gente se organiza, a gente também se prepara: podemos saber quantas pessoas virão e recebe-los e forma diferenciada”, detalha.

Enquanto o Brasil lida com um fluxo embora crescente, ainda pequeno de refugiados, a Europa vive a maior crise de refugiados desde a 2ª Guerra Mundial. De acordo com a Organização Internacional das Migrações (OIM), mais de 473 mil pessoas atravessaram o Mediterrâneo em 2015, aproximadamente 40% deles vindos da Síria.

A Hungria fechou a fronteira com a Sérvia na última terça-feira (16) e, na última sexta-feira (18) anunciou o bloqueio da fronteira com a Croácia – que afirmou que não pode mais receber refugiados. Os países são pontos de passagem para outros países do continente, sendo a Alemanha o principal destino.

Segundo Rita, na medida em que se observa o endurecimento da política migratória na Europa, o Brasil se consolida ainda mais como uma alternativa imediata para quem foge do conflito.

“Além disso, aqui é muito mais fácil de observar essa integração entre os refugiados e a sociedade do que em países como a Alemanha e a França, que tem um histórico de xenofobia. Temos uma disposição e uma vocação baseada na nossa história, de um país formado por imigrantes, o que torna a integração mais fácil e mais simples do que na Europa.”

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