Filhos de refugiados têm recomeço difícil ao chegar ao Brasil
(Jornal Nacional, 11/09/2015) Alguns se sentem pressionados e discriminados pelos colegas das escolas. Muitas vezes eles se tornam os interpretes linguísticos dos pais
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Trinta mil refugiados que escaparam da guerra vivem hoje no Brasil. Para as crianças e para os adolescentes, esse recomeço tem sido difícil.
A voz doce e os sorrisos por um instante fazem a gente esquecer a imensa tristeza do lugar de onde as meninas vieram.
“Eu moro ‘do’ Zaatari, é muito ruim. ‘Tem’ um mês muito calor, um mês muito frio”, conta Hannah.
Foi em um gigantesco campo de refugiados, na Jordânia, que Hannah e sua família viveram dois anos. Fugiram da Síria, onde perderam tudo.
Hannah: Caiu da bomba, não tem mais casa.
Jornal Nacional: Não tem?
Hannah: Não.
Benny, que tem medo de mostrar o rosto, sofreu perda ainda maior.
Jornal Nacional: Você perdeu seu pai e sua mãe na guerra?
Benny: Foi assassinado.
A tragédia foi decisiva para que ele e dois irmãos mais velhos deixassem o Congo, que enfrenta um longo e sangrento conflito armado. Outros cinco irmãos ficaram perdidos no país africano.
“A saudade é muito grande. Quando chega o dia do aniversário, eu não como. Eu passo o dia inteiro chorando”, diz Benny.
Nem só da Síria, nem só do Congo. No Brasil hoje vivem refugiados de 81 nacionalidades diferentes. Enquanto os imigrantes querem e até planejam a viagem, quem foge das guerras e perseguições em geral não tem escolha. As crianças e adolescentes menos ainda. E isso faz muita diferença.
Deixar amigos e parentes para trás, tentar aprender sem conhecer a língua não é nada fácil. Hannah acaba de abandonar os estudos. Se sentia pressionada e discriminada pelos colegas.
“Fala pra professora: ‘Hannah muito chata, Hannah muito burra’. Ele fala isso”, conta a menina.
As irmãs Inaan e Malak chegaram há um ano. O começo para elas também foi difícil. Mas os colegas foram se aproximando. E hoje…
“Ele me ajuda muito. Todos trabalhos que eu fiz foi com ele, dupla com ele”, diz Inaan.
“Via que ela tinha dificuldade em algumas coisas na escola. Aí resolvi ajudar ela. A gente se tornou amigos e hoje a gente está assim”, afirma João Victor da Silva.
Um convívio que é uma riqueza compartilhada.
“É uma cultura nova. Querendo ou não você leva um aprendizado diferente e é do nada, é só nossa sala que tem esse privilégio, entendeu? É muito interessante”, comenta Lídia de Morais.
Jornal Nacional: É difícil ainda de se comunicar?
Malak: A língua. Muito difícil. Mas a Lídia e Patrícia me ‘ajuda’ muito.
Ter filhos falando português facilita a vida dos pais. Mas…
“Para uma criança pequena se responsabilizar por ser o interprete linguístico cultural dos pais é bastante coisa. Criança tem que poder ser criança. E preservar esse lugar do lúdico, da brincadeira e não ser um adulto precoce. Tem também que preservar esse lugar”, afirma a psicanalista Ane Gebrn.
Alguns ainda enfrentam outras barreiras. “Eu vivi um racismo no abrigo”, diz Benny.
“Acho muito, muito importante estar pedindo pra sociedade, pras crianças nas escolas, pra todo mundo que está recebendo essas pessoas pra dar um acolhimento de verdadeira compaixão. Porque eles estão passando por uma guerra, por situações nunca vividas, inclusive por eles”, comenta a psicóloga Ana Cristina Berntz.
Guerra que exige o esforço de todos, para mostrar a crianças e jovens refugiados como esses que a vida é mais que violência e da destruição.
“Eu quero um futuro bem melhor, porque quero meus filhos ‘ser’ bem felizes, como eu tava com meu pai”, diz Benny.
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