No Pacaembu, Nigéria conquista bicampeonato na Copa dos Refugiados
Torneio encerra sua quarta edição mostrando como o futebol pode ser uma ferramenta para unir diferentes nacionalidades em torno de uma mesma causa
Por Géssica Brandino
O som dos tambores e a animação da torcida não deixaram dúvidas sobre o verdadeiro espírito da final da Copa dos Refugiados, disputada neste domingo, e que em dois finais de semana reuniu 16 países para celebrar a paixão pelo futebol e a colhida aos que chegam. Na disputa entre Nigéria e Marrocos não faltou bola nas redes do Estádio do Pacaembu, com o placar final de 9×4 para a Nigéria, bicampeã do torneio, que já teve como campeões a República Democrática do Congo, em 2016, e Camarões, em 2015.
“A organização criou essa Copa para conhecermos outros países e é uma honra colocarmos o melhor time do campeonato para conquistar essa vitória”, destacou o técnico da Nigéria, Mavis Ajari. Com os olhos brilhando, o capitão do time do Marrocos, Hassan El Zen, falou da emoção de disputar a final do torneio no Pacaembu. “É um grande sonho jogar num campo profissional e para nós essa final está sendo perfeita. Ganhando ou perdendo, é um sonho para todo mundo”.
A alegria dos jogadores era a mesma dos imigrantes de diversas nacionalidades que foram prestigiar a final. Jeremias Ambrosio, 21 anos, é angolano e foi pela primeira vez acompanhar os jogos da Copa, assim como Matilde Vaisako, 32 anos, da Namíbia. Em pontos diferentes da arquibancada, eles dividiam o mesmo entusiasmo ao ver times africanos na final do torneio, um momento de felicidade.
Do alto da arquibancada, a torcida nigeriana fazia bonito, com gritos de incentivo aos jogadores, dancinhas e puro agito. O torcedor Alfa Umaru Balde, 35 anos, saiu da região leste de São Paulo às 10h para acompanhar pela segunda vez uma final da Copa. Ele se juntou a amigos que lotaram dois ônibus rumo ao Pacaembu. “Estamos muito contentes, porque é uma organização que mostra que os refugiados são bem-vindos no Brasil. Não importa quem ganhe, estamos muito felizes”, afirmou sorridente.
A torcida brasileira também marcou presença. “Refugiados: bem-vindos, joguem com raça, contra o racismo”, entoava a Ação Antifascista de São Paulo, que desde 2015 apoia a causa dos refugiados na cidade e que vê no futebol um poderoso espaço de mobilização social e luta contra o preconceito, o racismo e a xenofobia.
O torcedor Henrique Ferraz, 38 anos, acompanhou pela primeira vez uma final da Copa e elogiou o evento. “Acho essa Copa linda, justa e digna, afinal de contas somos um país que já não tem quase índios, os verdadeiros donos da terra, e que foi feito por migrantes. Sinto um orgulho muito grande, porque enquanto outros países estão em guerra, o Brasil é uma referência para aqueles que procuram a paz e um pouco de sossego para recomeçar”, afirmou.
O esporte como instrumento de integração
A Copa é organizada pelos próprios refugiados, por meio da ONG África do Coração, com o apoio da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, Alto Comissariado das Nações Unidas, Cruz Vermelha Internacional e Sesc.
O coordenador da Copa dos Refugiados e da ONG África do Coração, o refugiado sírio Abdulbaset Jarour estava muito feliz e grato pela oportunidade de realizar a final da Copa num estádio histórico para o futebol brasileiro, depois de vários meses de preparação para o evento. Para ele, o principal feito da Copa é a união por meio do esporte.
“Quando os imigrantes e refugiados chegam ao Brasil, eles não têm amigos e a Copa os reúne, mesmo que não falem a mesma língua. Esse é um grande projeto, porque o futebol une os povos e queremos integrar os refugiados e imigrantes com os brasileiros e essa é a beleza que estamos vendo aqui”, destacou.
O presidente da ONG África do Coração, o refugiado da República Democrática do Congo Jean Katumba vê a final no Pacaembu como uma amostra do desafio para que os refugiados possam falar sobre a própria realidade no país. “No momento em que falamos sobre refúgio, há alguém que acabou de desembarcar. O que esse refugiado está recebendo como apoio para sua integração? Será que está sendo bem recebido?”, questiona Jean, que vê a integração como um processo de dois lados, no qual os refugiados precisam se engajar.
Criada em 2013, a África do Coração tem como foco a difusão de informações para que os refugiados que chegam ao país saibam seus direitos e também para que os brasileiros conheçam a cultura trazida pelos refugiados e os ajudem a superar as dificuldades que enfrentam no país.
Nesse sentido, a chefe do Escritório do ACNUR em São Paulo, Maria Beatriz Bonna Nogueira, vê a Copa como um espaço extremamente importante para fortalecer o diálogo entre os refugiados que estão na cidade. “A Copa torna a comunidade de refugiados em São Paulo mais coesa e amiga. Ao se aproximarem, eles percebem que têm demandas em comum que podem ser reivindicadas de forma conjunta”, reforça.
Próximos passos
Além de São Paulo, a Copa dos Refugiados também teve uma edição em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, realizada em março. Para o próximo ano, a expectativa é que o evento possa chegar a outros estados, espalhando a mensagem de união entre as nações.
Além da Copa, para chamar atenção do mundo para a realidade dos refugiados, na semana passada, o Comitê Olímpico Internacional criou a Fundação Olímpica para o Refúgio, uma forma de disseminar equipamentos esportivos em regiões com grande concentração de refugiados, uma forma de para promover a formação de novos atletas e o bem-estar por meio do esporte. Leia mais aqui (em inglês)
Saiba mais sobre o trabalho da ONG África do coração no site e na reportagem do Migramundo, curta a página no facebook e tenha mais informações sobre a Copa dos Refugiados na página do evento.