Refugiados sírios tentam novo começo em S. Bernardo
(ABCD Maior, 09/09/2014) Família mantém hábitos muçulmanos e tenta recomeçar a vida após perder casa em explosão
Radicais da organização Estado Islâmico (Estado Islâmico do Iraque e do Levante) degolam jornalistas norte-americanos e gravam a cena em vídeos acessados pelo mundo inteiro. A guerra no Oriente Médio dizima várias famílias e são comuns fotos de crianças com membros decepados por bombas diariamente na tela do computador. Um lugar onde o herói tem nome: homem-bomba. Uma região marcada pela sangria e barbárie. Se as cenas comovem aqueles que estão a quilômetros de distância, quem vive nesses países relata o inferno. No ABCD, São Bernardo possui um dos maiores redutos de muçulmanos e agora registra a chegada de refugiados da guerra.
É exatamente para fugir das atrocidades que parte da família de Jood Kamel, 35 anos, embarcou há seis meses da Síria para o Brasil. O professor de matemática e língua árabe perdeu não apenas pessoas queridas, mas também parte da vida que construiu. “Demorei muitos anos para erguer minha casa e uma bomba destruiu tudo, todo o meu sonho”, contou. Ajudado por amigos já instalados na Região e pela Wamy (Assembleia Mundial da Juventude Islâmica), Jood e seus parentes buscam uma nova oportunidade de recomeçar a vida.
A língua portuguesa ainda é uma das barreiras que a família enfrenta. Porém, Jood já consegue formar orações inteligíveis e se vira no dia a dia. O cunhado de 17 anos, Mahamed Massoud, o acompanha a maior parte do dia. Teve de largar os estudos básicos na Síria e agora faz aula de português. Sempre sorridente, Mahamed ficou de boca aberta com a recepção dos brasileiros: “As pessoas são legais aqui, gostam de conversar e saber mais da gente”.
O jovem Mahamed se preocupa com sua permanência no Brasil. Ou melhor, teme ter de retornar para Damasco, capital da Síria. “Se voltar, automaticamente serei recrutado pelo Exército e serei obrigado a lutar por uma causa na qual não acredito, ao lado de pessoas que mataram meus familiares”, lamentou o adolescente. “Aqui em São Bernardo as pessoas são mais receptivas e, assim que eu aprender a língua, quero continuar a estudar e me formar em engenharia da computação.”
A família de Jood entrou no País na condição de refugiada e, por isso, a permanência depende de questões burocráticas. “Não dá para ficar tranquilo aqui sabendo que ainda tem parentes meus na Síria. Somente quando todos estiverem ao meu lado é que poderei pensar com calma o que devo fazer no futuro”, descreveu o professor de matemática.
Decapitação – Para Jood, o Estado Islâmico representa apenas um grupo terrorista. “O que eles fazem é prejudicar a religião e o povo”, criticou. As cenas recentemente divulgadas de extremistas decapitando norte-americanos na frente das câmeras chocou a família. “Muito triste. Na Síria existem muitas pessoas de bem, que não querem ligação com essa guerra”, afirmou.
A entrevista com os refugiados foi traduzida por sheik Yuri Ansare, que atua na Wamy. Ele regressou ao Brasil há quatro meses, após passar oito anos estudando o islamismo. Formado em uma faculdade de teologia muçulmana, carrega o título de sheik – pessoa de conhecimento religioso.
Família mantém tradição e vê casa como local sagrado
A comida de todos os dias é uma mistura de culinária síria e ingredientes brasileiros. Mahamed Massoud, porém, reclama da falta de doces. “Lá a gente come muitos doces e aqui não encontramos tanta variedade”, explicou. As orações tradicionais e cultos na mesquita são sagrados. De cor, Mahamed e Jood conhecem a direção de Meca, para onde têm de se voltar quando entram em oração.
O cuidado com a casa e a família muçulmana são perceptíveis no discurso de Jood. “A casa, a intimidade do muçulmano, é algo muito privado e sagrado, principalmente por conta das mulheres. O muçulmano não abre as portas de casa para desconhecidos com facilidade”, disse o sheik Yuri Ansare, ao explicar o motivo pelo qual Jood preferiu não permitir fotografias de sua residência e parentes.
Por: Renan Fonseca
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