Reflexão sobre desafios do refúgio no Brasil marca lançamento de relatório do Adus
Documento composto por nove capítulos será usado para embasar ações que ajudem no processo de integração das pessoas em situação de refúgio no país
Os desafios no processo de integração dos refugiados no Brasil foram debatidos no evento de lançamento do Relatório Anual 2016 do Adus – Instituto de Reintegração do Refugiado, realizado no último sábado (11/6), em São Paulo. O “Diálogos sobre refúgio” contou com a participação de representantes do poder público, organizações da sociedade civil, acadêmicos e pessoas em situação de refúgio, com mediação das professoras da Cátedra Sérgio Vieira de Mello da Universidade Católica de Santos.
Composta por nove capítulos, a publicação foi desenvolvida por pesquisadores voluntários do programa de Advocacy da instituição e será usada para embasar ações em prol da inserção daqueles que buscam refúgio no país.
“Esse relatório é uma sistematização daquilo que consideramos mais importante no tema do refúgio, no Brasil e no mundo. É uma base para futuras ações que será usada para dialogar com os principais atores envolvidos com o tema, tanto a nível nacional quanto local, instituições públicas e privadas, para que possamos criar um sistema favorável que permita o acesso dos refugiados às políticas públicas existentes na sociedade brasileira”, destacou o coordenador geral do programa de Advocacy, Salomão Cunha Lima.
Alguns aspectos trabalhados ao longo do estudo estiveram em discussão ao longo do evento, que contou com a fala de refugiados de diferentes países. Em uma das mesas, Leon, Mohamad e Godet – refugiados vindos da Síria, Palestina e do Congo, respectivamente, falaram sobre dificuldades enfrentadas no país, como a não aceitação do Protocolo de Permanência Provisória em instituições públicas, no sistema bancário ou mesmo por empresas que recusam a contratação por desconfiarem do documento. Leon destacou a revitimização feita pela cobertura midiática sobre quem são as pessoas em situação de refúgio e lembrou que isso contribui para criar estereótipos que interferem no processo de integração social.
A necessidade de mudar o olhar em relação às pessoas que solicitam refúgio no país também foi levantada por representantes do poder público que participaram do evento. Para o Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, da Cidadania, da Participação e das Questões Sociais da Assembleia Legislativa de São Paulo, deputado Carlos Bezerra, os migrantes no Brasil são tratados como cidadãos de segunda classe e os benefícios que eles trazem, tanto em termos culturais quanto econômicos, não são destacados. “Há um problema no olhar: não conseguimos integrar os refugiados porque não os tratamos como iguais”.
Na visão do representante da Coordenação de Políticas para Migrantes da Secretaria Municipal de Direitos Humanos de São Paulo, Guilherme Arosa Prol Otero, a falta de interesse político interfere diretamente na solução de barreiras no processo de integração de migrantes e refugiados, como o Estatuto do Estrangeiro e o entrave na revalidação de diplomas de nacionais de outros países que aqui chegam e não conseguem exercer suas profissões. Guilherme acredita que a descentralização das políticas para migrantes é um caminho para aprimorar o acesso às políticas públicas existentes.
Boas práticas
Diante da ausência de uma política nacional para migrantes e refugiados e da falta de comprometimento com a pauta pelo Estado, em suas diversas instâncias, as instituições da sociedade civil seguem atuando nas lacunas deixadas pelo Poder Público, seja na oferta de cursos de português, encaminhamento para vagas de trabalho e orientações sobre serviços de saúde.
Algumas experiências de integração na cidade de São Paulo também foram apresentadas no evento. O coordenador do Centro de Referência e de Acolhida para Imigrantes, Paulo Amâncio, falou dos serviços oferecidos aos refugiados, como encaminhamento para trabalho e, recentemente, a oferta de cursos de português, e destacou a necessidade da institucionalização do serviço, para que ele seja mantido em qualquer governo. O CRAI é gerido pelo Serviço Franciscano de Solidariedade por meio de convênio com a Prefeitura de São Paulo.
O acompanhamento das principais demandas dos refugiados também é feito por meio do programa Orientação de Trajeto, do Adus. A coordenadora do programa, Aline Bammann, ADUS/Orientação de Trajeto, apresentou o trabalho feito por meio dos facilitadores sociais, voluntários da Instituição que realizam visitas aos refugiados e servem como pessoas de referência para ajudar na busca por soluções para questões como moradia, emprego e documentação. O programa também criou uma plataforma online, com informações em inglês, francês, espanhol e árabe. (Clique para acessar a plataforma)
Orientar as mulheres migrantes em relação aos direitos e promover ações de valorização cultural tem sido o trabalho desenvolvido pela Equipe de Base Warmis – Convergência das Culturas. Com o filho nos braços, Andrea Carabantes falou dos desafios cotidianos enfrentados pelas mulheres migrantes e da luta para conscientizar a sociedade e desconstruir preconceitos, ação que também tem sido feita pelo coletivo Conviva Diferente, que oferece aulas de português para falantes de inglês e também atua por meio de voluntários, como a professora Margareth Zoéga.
Desafios no tema do Refúgio
As temáticas abordadas ao longo do Relatório de Advocacy do Adus colocam em pauta os entraves existentes no processo de integração; os fluxos migratórios recentes; o Sistema Internacional de Proteção; o conflito Sírio e o refugiado sírio no mundo; refugiados da África no Brasil; os refugiados ambientais e o caso dos haitianos no Brasil; a saúde mental dos refugiados; o acesso às políticas públicas; e a interferência da discriminação na vida dos refugiados que vivem no país.
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Por Géssica Brandino