Empresas se abrem à contratação de refugiadas (Acnur, 12/07/2016)
O aumento do número de refugiadas no Brasil nos últimos três anos tem sido observado com atenção por empresas sensíveis aos benefícios da presença de mulheres estrangeiras em seus quadros de funcionários
O programa “Empoderando Refugiadas”, iniciado em setembro de 2015 por meio de uma parceria entre a Agência das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), a Rede Brasil do Pacto Global, a ONU Mulheres, a empresa de consultoria em recursos humanos Fox Time, a Caritas Arquidiocesana de São Paulo e o Programa de Apoio para a Recolocação de Refugiados (PARR), foi encerrado neste mês com um saldo positivo: 30 refugiadas capacitadas e 120 representantes de empresas, de consultorias em recursos humanos entidades de assistência mobilizados e sensibilizados sobre a contratação dessa mão-de-obra.
Com o apoio das Lojas Renner, da Itaipu Binacional, da Sodexo e do Consulado da Mulher, o programa foi encerrado durante o encontro “Setor Privado e Refugiados no Brasil: Diálogo e Engajamento“, durante o qual a empresa Sodexo anunciou a abertura de três novas vagas para mulheres nessa condição. A empresa já mantém 20 refugiados e imigrantes entre seus 35 mil funcionários no país.
Para ampliar a empregabilidade de mulheres refugiadas, a Fox Time ofereceu em São Paulo cursos de capacitação e de preparo para o mercado de trabalho brasileiro, assessoria de coaching e ajuda psicológica. Foram realizados, como parte do programa, três workshops.
Nesse período, 11 refugiadas foram encaminhadas para entrevistas em empresas. Seis delas foram empregadas e mais duas conseguiram vagas sem a intermediação dos parceiros do projeto. Uma das refugiadas abriu seu próprio negócio de preparação de pratos da culinária síria. Outra está sob a mira da Sodexo, que notou sua habilidade para atuar como secretária-executiva.
O resultado reverteu-se também em favor da própria Fox Time. Segundo Danielle Pieroni, gerente de Desenvolvimento Organizacional da empresa, a agenda com esse grupo de refugiadas contribuiu para a melhoria do ambiente de trabalho na empresa.
“Vários de nossos psicólogos se voluntariam para fazer um atendimento mais frequente e profundo com as refugiadas em depressão, e nossa equipe financeira deu orientação a várias delas sobre planejamento”, relatou. “Houve até mesmo uma repercussão positiva na imprensa sobre o nosso trabalho, algo que não esperávamos que acontecesse”, completou Danielle.
Para as empresas, a contratação e preservação de refugiadas em seus quadros de funcionários vai além do sentido humanitário. Segundo João Marques, da Emdoc, o intercâmbio de conhecimento desencadeado pela presença de um refugiado é um benefício inestimável para as empresas. A Emdoc é uma consultoria especializada em imigração e na colocação de estrangeiros no Brasil e brasileiros no exterior e é uma das parceiras do Pacto Global. Desde 2011, a consultoria mantém o Programa de Apoio para a Recolocação dos Refugiados (PARR), criado com o apoio do ACNUR.
“Visitei 80 empresas em oito meses para conseguir uma única vaga para refugiado. Portanto, sei o valor da oferta de três vagas”, afirmou Marques, em referência à iniciativa da Sodexo. “Temos de mostrar às empresas brasileiras que elas ganham ao contratar refugiados. A lógica é a do lucro, não a de ser boazinha”, completou.
No encerramento do programa, na tarde de 30 de junho, Vinicios Malfatti, gerente de Sustentabilidade das Lojas Renner, informou não estar a empresa preocupada apenas com a contratação de refugiadas, mas também com a adaptação delas a seu novo time de trabalho e com a preparação de seus gerentes e funcionários para recebê-las. A empresa tem três refugiadas em sua folha de pagamento e oferecerá um curso de costura para 20 mulheres nessa condição.
O Carrefour mencionou que pretende reservar um dia do mês para o recrutamento somente de refugiadas. Como parte da adaptação e integração de refugiados e imigrantes a suas equipes, a rede de supermercados os chama para contar suas histórias de vida aos colegas de trabalho.
Segundo Vanessa Tarantini, do Pacto Global, as próprias refugiadas amparadas pelo programa reconheceram ter aprendido sobre seus direitos no Brasil, inclusive em relação à violência doméstica, e percebido a necessidade de continuar seus estudos. “Elas disseram se sentir mais empoderadas e autoconfiantes e terem recebido uma energia muito positiva. Também pediram para darmos continuidade a esse trabalho, em especial às solicitantes de refúgio no país”, relatou Vanessa.
Para o refugiado, em geral, o acesso ao mercado de trabalho é o principal facilitador de sua integração à sociedade que os acolheu e para a reconstrução de sua vida. A despeito do histórico de perseguição e/ou de testemunho de conflitos e violações aos direitos humanos em seus países de origem, o refugiado empregado ou empreendedor tem melhores condições de preservar sua autoestima e de contornar a ausência de ajuda financeira oficial. A autossuficiência por meio do trabalho também é o meio indispensável, em muitos casos, para a reunião de famílias.
No caso de mulheres, esses fatores são ainda mais preciosos. Boa parte delas chega ao Brasil com filhos ou com a incumbência de trazê-los de seus países de origem. Dos 28.670 solicitantes de refúgio no Brasil no ano passado, 19,2% era do sexo feminino, conforme dados do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare). Entre os que já têm status de refugiado no país, 28,2% é mulher.
“Quando uma empresa contrata uma mulher, está ciente de que acolheu uma família”, afirmou Beatriz Carneiro, secretária-executiva do Pacto Global. “A refugiada só se sente acolhida quando entra no mercado de trabalho e, dessa forma, alcança sua autossuficiência”, completou.
Apenas com o protocolo de solicitação de refúgio, emitido no Brasil pela Polícia Federal, as refugiadas têm direito à Carteira do Trabalho e, portanto, de ingressar no mercado formal. Também estão sob o amparo das mesmas leis que protegem as brasileiras, como a Maria da Penha, sobre violência doméstica. Mas o documento é precário – um pedaço de papel reciclado assinado e carimbado por um funcionário da PF – e não aceito por várias empresas e órgãos públicos, por desconhecimento de sua validade.
O evento “Setor Privado e Refugiadas no Brasil: Diálogo e Engajamento” consolidou uma série de obstáculos e de possíveis soluções para o maior engajamento das empresas na contratação de refugiadas. Além do desconhecimento generalizado no país sobre a validade do protocolo de solicitação de refúgio, outros fatores têm se somado: a demora e custos altos para o reconhecimento de diplomas; a oferta ainda rara de postos mais qualificados; o grau de conhecimento Português; os traumas vividos em seus países de origem.
Por Denise Chrispim, de São Paulo.
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