Walking tour apresenta olhar para uma São Paulo imigrante
Fazer uma caminhada por pontos ligados diretamente às migrações históricas e recentes de São Paulo e mostrar como ela transforma sociedades ontem, hoje e sempre. Tudo isso com a participação de imigrantes e refugiados na capital paulista: foi essa a ideia do walking tour organizado no último sábado (09), na região central de São Paulo.
O evento fez parte do Dia das Boas Ações, conjunto de atividades promovidas no último final de semana por organizações que atuam em prol dos direitos humanos. Atendendo ao chamado da equipe da ONG Atados, o Abraço Cultural e o coletivo universitário Educar para o Mundo organizaram o walking tour, percorrendo alguns locais marcantes para a história da migração na cidade. O evento contou com a participação de cerca de 60 pessoas – entre professores refugiados, pesquisadores, estudantes e apoiadores da causa migrante.
“Queríamos diversificar as possibilidades de atuação para migrantes e refugiados em termos de integração, tanto cultural quanto social”, destaca Lígia Magalhães, coordenadora de atividades culturais do Abraço Cultural, um projeto de curso de idiomas ministrados por professores refugiados e imigrantes. Além do inglês, francês, espanhol e árabe ensinados em sala de aula, há também workshops de tradições culturais, com culinária, dança, literatura, cinema e outras curiosidades dos países de origem dos professores do curso.
Para pensar no roteiro para o walking tour, o Abraço Cultural contou com a parceria do coletivo de extensão universitária Educar para o mundo, do curso de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo. “O intuito é promover a integração entre refugiados, imigrantes e brasileiros e a ocupação do centro da cidade, um espaço geralmente pouco valorizado, mas queremos mostrar que também pode ser frequentado”, afirma Luísa Guimarães Tarzia, integrante do coletivo. Idealizado pela professora Deisy Ventura, o EPM atualmente desenvolve oficinas de direitos humanos e busca trazer os imigrantes e refugiados para palestras e outros eventos para que eles sejam protagonistas das próprias histórias.
Da Sé à rua Coimbra
O trajeto do walking tour começou na Praça da Sé, com a guia de turismo Deborah, e dali seguiu para a primeira parada, no pátio da Igreja Nossa Senhora da Paz. Lá fica a Missão Paz, que é referência no acolhimento a imigrantes e refugiados, por meio da Casa do Migrante, da Pastoral do Migrante e do Centro de Estudos Migratórios. São oferecidos cursos de português e profissionalizantes, orientação jurídica e sobre o mercado de trabalho, com o cadastramento de empresas interessadas em contratar imigrantes e refugiados.
A haitiana Genevieve Che era professora de crianças e adolescentes na terra natal. Chegou a São Paulo há oito meses. Sabia francês, espanhol, mas não o português. Foi nas aulas da Missão Paz que aprendeu a nova língua. “Não é fácil chegar ao Brasil e não conhecer ninguém. Por isso, esse espaço foi uma salvação para os haitianos”, conta aos participantes do evento, acompanhada pelos olhares dos haitianos que, do pátio e dos degraus da igreja, acompanhavam a visita do grupo ao local.
Sorriso aberto, Genevieve é professora de francês no Abraço Cultural desde que o projeto teve inicio. Para ela, o projeto oferece a oportunidade de intercâmbio entre culturas. “Nos sentimos orgulhosos da nossa cultura. É como levar parte do país no coração para compartilhar. Sem esse projeto, as pessoas não iriam valorizar o que tem no Haiti, Congo e na Síria. Ajuda o brasileiro a ver o imigrante de outra maneira”.
Ali Jeratli era guia turístico na Síria e também é professor do Abraço Cultural, ensinando o árabe. Ou seja, para ele o walking tour resgatou uma parte de sua história. “Era isso o que eu fazia no meu país antes da guerra”, disse Ali, em um português bem fluente.
A visita à Mesquita Brasil, parada seguinte do walking tour, foi um momento no trajeto no qual Ali pode compartilhar um pouco de sua cultura. Ali, os participantes puderam aprender um pouco sobre a religião islâmica e acompanhar o momento de oração dos muçulmanos.
A parada seguinte foi no jardim do Museu da Imigração do Estado de São Paulo, na Mooca. Os coordenadores do espaço contaram um pouco da história da antiga Hospedaria do Brás, onde passaram cerca de 2,5 milhões de pessoas ao longo de 91 anos de funcionamento. O Museu ocupa atualmente 40% da antiga hospedaria – os demais 60% são as instalações do Arsenal da Esperança, centro de acolhida que conserva parte do caráter antigo do prédio. Dos cerca de 1.100 homens em situação de rua que vivem no local, cerca de 20% são imigrantes de outros países.
O trajeto terminou na rua Coimbra, tradicional ponto de encontro de comunidades latinas de São Paulo (especialmente a boliviana), onde o grupo parou para almoçar. A expectativa é que outros walking tours sejam promovidos no futuro.
Por Géssica Brandino e Rodrigo Delfim, do MigraMundo