Hoje, 20 de junho, é o Dia Internacional do Refugiado. Dia em que são divulgadas novas estatísticas sobre o deslocamento forçado no mundo e também sobre aqueles que chegam ao Brasil. Decidi não falar sobre números, mas sobre as histórias por trás deles. Ou melhor, sobre aquilo que elas seguem me ensinando.
Era 2013 quando parei pela primeira vez para entrevistar alguém que estava no Brasil nessa condição. De lá pra cá, tantas histórias vieram, tantos rostos de pessoas que passei a admirar. Sim, são pessoas corajosas e que nunca imaginaram viver em tal condição. Aqui, pausa para o primeiro aprendizado: refugiado é um status. A pessoa que o carrega é muito mais do que isso. E falar sobre essa realidade não é simples. Dói, porque faz lembrar do que se quer esquecer, porque remonta aos piores instantes da vida. Ninguém quer ter a própria história resumida a sofrimento.
Os refugiados ensinam outro olhar sobre o mundo, sobre a vida, sobre a cultura. Ao escutar a história de alguém que teve que fugir desesperadamente do próprio país, tive consciência do quão precioso é viver em paz. Ao escutar a dor de quem teve a vida ameaçada, passei a valorizar cada segundo. Passei a admirar aquelas pessoas que conseguiram buscar um recomeço. Ao ver como compartilham sua música, idioma, poesia e culinária para criar pontes, percebi que existe muito em comum entre nós.
Essa data, assim como tantas outras, é um convite à reflexão sobre o que ainda precisa ser feito para que cada uma dessas pessoas seja tratada de forma digna, pois os refugiados também escancaram as deficiências do Estado, em suas várias instâncias. Como é viver sem documento, sem casa e trabalho num país desconhecido, com uma língua estranha. Como é chegar e se deparar com um muro. Como é tentar chegar e se deparar com um oceano. Como é querer sair e se deparar com a fronteira. Como é querer ficar, e não ter direito à própria terra.
Caros refugiados, obrigada por tudo que me ensinaram e ensinam. Espero de alguma forma contribuir para que o refúgio que buscam possa realmente ser encontrado.
Serviço
Se quiser conhecer o trabalho das ONGs que atuam diretamente na acolhida dos refugiados no país, clique aqui
Em debate em São Paulo (SP), pesquisadores apontam a falta de visibilidade dessa população no Brasil
Além das vítimas de guerras e conflitos políticos ao redor do mundo, pessoas perseguidas por conta de sua orientação sexual e identidade de gênero também pedem refúgio ao Brasil. Esse grupo social se encontra ainda mais vulnerável que os demais refugiados, conforme analisa a psicanalista e socióloga, Ana Gebrim, que tem experiência atendendo imigrantes e solicitantes de refúgio.
“Não teve, até agora, políticas que integrassem as diferentes dimensões. A coordenação de migrantes e a coordenação LGBT da prefeitura [de São Paulo (SP)], ambas da Secretaria de Direitos Humanos, não possuem ainda ações conjuntas para atender essa população. O mesmo acontece no campo da militância: os movimentos LGBT acessavam muito pouco a população imigrante, o que os deixava desamparados. O poder público e os movimentos estão começando a ter engajamento com essa população, e o ideal é que isso cresça”, afirmou Gebrim.
De acordo com o bacharel em relações internacionais e mestrando em antropologia social Vitor Lopes Andrade, ainda não há estatísticas do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) sobre essa população, mas, de acordo com o levantamento realizado para sua dissertação, a maioria dos solicitantes de refúgio LGBT no Brasil são homens jovens que vêm sozinhos, principalmente da Nigéria e de Camarões.
“É lógico pensar que, se o número de solicitantes de refúgio cresce no geral, o número de solicitantes por orientação sexual e identidade de gênero também”, afirma.
Na terça-feira da semana passada (13), Andrade e Gebrim participaram de uma roda de conversa sobre o tema, que aconteceu no auditório da Defensoria Pública da União (DPU), em São Paulo (SP). A atividade foi promovida pelo Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes (CRAI-SP/SEFRAS), um equipamento da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo (SMDHC).
Em nota, a secretaria afirmou que “a ideia do evento era exatamente levantar um diagnóstico da situação, pensar caminhos para abordar o tema e fomentar essa discussão”. Além disso, declarou que as coordenações de migrantes e LGBT estão organizando uma formação mútua sobre o tema, e que o Guia de direitos para a população imigrantes, que é traduzido em seis línguas, já inclui uma seção sobre direitos da população LGBT.
Segregação dupla
Para Ana Gebrim, os refugiados LGBT podem ser considerados “estrangeiros dos estrangeiros”. “Ficam à margem da margem, porque, muitas vezes, a orientação sexual e a identidade de gênero são criminalizadas no país de origem, e se integrar em um novo país entre as comunidades de mesma nacionalidade significa estar diante da mesma exposição e violência”, argumenta.
Com isso, argumenta a psicanalista, essas pessoas evitam solicitar serviços de assistência à população imigrante, justamente para não estar entre pessoas da mesma cultura e etnia.
Gebrim destaca que quanto mais criminalizada é a prática no país de origem, mais isso incide como sofrimento subjetivo para a pessoa. “É muito comum que as pessoas vivam estigmatizadas. Acho que uma questão que se coloca muitas vezes para alguns refugiados LGBT é ‘como é possível eu ser gay e da minha cultura de origem ao mesmo tempo?’. Porque não tem como não introjetar os valores culturais de origem que patologizam e demonizam a orientação sexual”, opina.
A escolha do Brasil como país destino também é uma questão que precisa ser estudada. Segundo um relatório produzido pelo Grupo Gay da Bahia, pelo menos 318 pessoas foram mortas vítimas de homofobia no Brasil em 2015.
Já um relatório de violência homofóbica, publicado em fevereiro deste ano pelo Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, destacou que ao menos cinco casos de violência homofóbica são registrados todos os dias no Brasil.
“O que mais tem me surpreendido é exatamente o paradoxo: essas pessoas vêm para cá porque tinham medo de serem agredidas, mas a situação que encontram aqui também é de violência. É uma contradição que um país tão homo/lesbo/transfóbico seja o destino almejado. Mas, quando a gente compara com a realidade dos países de onde elas vêm, há uma melhoria, porque aqui a homofobia não é institucionalizada como em outros 76 países ao redor do mundo, onde atos sexuais consentidos entre pessoas do mesmo sexo são puníveis com até prisão perpétua e pena de morte”, compara Andrade.
De acordo com a pesquisa do mestrando, os solicitantes de refúgio LGBT vêm para o Brasil por diferentes fatores. “Alguns conseguiram o visto durante a Copa do Mundo com mais facilidade. Outros conheceram o país nos últimos anos por causa da maior visibilidade no cenário internacional, principalmente durante o governo Lula, quando várias embaixadas foram abertas em países africanos. A possibilidade de o Brasil ser escolhido como destino também aumentou no contexto de fechamento de fronteiras na Europa”, enumerou.
Andrade também pontuou que algumas pessoas declararam ter levado em conta o fato de o país ter aprovado a união estável de pessoas do mesmo sexo em 2011.
Invisibilidade
A vulnerabilidade dessa população é tanta que algumas pessoas acabam escondendo sua sexualidade durante as entrevistas do processo de solicitação de refúgio, mesmo que este seja um dos motivos principais de sua imigração.
“Por exemplo: uma pessoa da Síria que é lésbica alega que veio somente por conta da guerra. Um homossexual nigeriano diz que está sendo afetado pelo Boku Haram. Dificilmente falam da homossexualidade. O fazem quando é o único motivo que podem usar para fundamentar o pedido de refúgio”, disse Andrade.
A insegurança com os próprios mecanismos de refúgio acontece independentemente das diretrizes mais recentes da ACNUR, agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para refugiados, que, nos últimos anos, confirmou as interpretações que incluem o temor de perseguição pela sexualidade ou identidade de gênero entre as justificativas de refúgio.
“Há quem diga que lá na Convenção de 1951, quando criaram o critério de grupo social, já teria sido possível a ideia de pessoas LGBT como refugiadas, mas isso não é consensual. Em 2002, o ACNUR lançou uma diretriz analisando que há precedentes em que se interpretou pessoas LGBT como grupos sociais ameaçados, e, em 2008, foi lançada uma diretriz que afirmava que elas devem sim ser entendidas como grupo específico, desde que tenham temor de perseguição no país de origem. Em 2007, já haviam sido lançados os Princípios de Jacarta. No princípio 23, confirmava-se a possibilidade de se pedir refúgio quando as pessoas não pudessem exercer sua orientação sexual e identidade de gênero no país de origem”, detalhou Andrade.
De acordo com Ana Gebrim, provavelmente muitos solicitantes de refúgio LGBT não sabem que sua condição permite o status de refúgio.
“A questão da solicitação de refúgio está sempre diante da capacidade de produzir uma narrativa da experiência e torná-la crível para se encaixar no status de refugiado. Chegar a um país novo e estar diante de novas instituições pode parecer bastante arriscado, e há práticas muito abusivas. Em países como a Inglaterra ou alguns do Leste Europeu, há relatos de dispositivos jurídicos para identificar os ‘verdadeiros LGBT’, como perguntar se a pessoa é ativa ou passiva na relação sexual, perguntar o gosto musical dela ou passar filmes pornôs e ver se ela fica excitada”, contou a psicanalista.
Contexto
Na última segunda-feira (19), os países-membros da ONU se reuniram com o objetivo de pensar em uma abordagem mais coordenada e humana para lidar com o aumento sistemático do fluxo de imigrantes e refugiados em todo o mundo.
Na reunião, foi aprovada a Declaração de Nova York, documento que tem sido criticado por entidades e movimentos pelos direitos dos refugiados por ser considerado vago e negligente em relação à urgência da situação migratória mundial.
Paralelamente, mais de 65 milhões de pessoas se encontram na situação de refúgio, sendo que somente no último ano, 5.7491 pessoas morreram tentando cruzar as fronteiras em diversas partes do mundo.
Dentre elas, há grupos sociais mais vulneráveis, como mulheres, crianças e pessoas LGBTs, que, em alguns casos, buscam refúgio por conta de sua própria condição, como mulheres vítimas de violência de gênero ou mutilação genital, crianças que sofrem maus tratos e pessoas LGBT perseguidas por sua sexualidade.
Documento composto por nove capítulos será usado para embasar ações que ajudem no processo de integração das pessoas em situação de refúgio no país
Os desafios no processo de integração dos refugiados no Brasil foram debatidos no evento de lançamento do Relatório Anual 2016 do Adus – Instituto de Reintegração do Refugiado, realizado no último sábado (11/6), em São Paulo. O “Diálogos sobre refúgio” contou com a participação de representantes do poder público, organizações da sociedade civil, acadêmicos e pessoas em situação de refúgio, com mediação das professoras da Cátedra Sérgio Vieira de Mello da Universidade Católica de Santos.
Composta por nove capítulos, a publicação foi desenvolvida por pesquisadores voluntários do programa de Advocacy da instituição e será usada para embasar ações em prol da inserção daqueles que buscam refúgio no país.
“Esse relatório é uma sistematização daquilo que consideramos mais importante no tema do refúgio, no Brasil e no mundo. É uma base para futuras ações que será usada para dialogar com os principais atores envolvidos com o tema, tanto a nível nacional quanto local, instituições públicas e privadas, para que possamos criar um sistema favorável que permita o acesso dos refugiados às políticas públicas existentes na sociedade brasileira”, destacou o coordenador geral do programa de Advocacy, Salomão Cunha Lima.
Alguns aspectos trabalhados ao longo do estudo estiveram em discussão ao longo do evento, que contou com a fala de refugiados de diferentes países. Em uma das mesas, Leon, Mohamad e Godet – refugiados vindos da Síria, Palestina e do Congo, respectivamente, falaram sobre dificuldades enfrentadas no país, como a não aceitação do Protocolo de Permanência Provisória em instituições públicas, no sistema bancário ou mesmo por empresas que recusam a contratação por desconfiarem do documento. Leon destacou a revitimização feita pela cobertura midiática sobre quem são as pessoas em situação de refúgio e lembrou que isso contribui para criar estereótipos que interferem no processo de integração social.
A necessidade de mudar o olhar em relação às pessoas que solicitam refúgio no país também foi levantada por representantes do poder público que participaram do evento. Para o Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, da Cidadania, da Participação e das Questões Sociais da Assembleia Legislativa de São Paulo, deputado Carlos Bezerra, os migrantes no Brasil são tratados como cidadãos de segunda classe e os benefícios que eles trazem, tanto em termos culturais quanto econômicos, não são destacados. “Há um problema no olhar: não conseguimos integrar os refugiados porque não os tratamos como iguais”.
Na visão do representante da Coordenação de Políticas para Migrantes da Secretaria Municipal de Direitos Humanos de São Paulo, Guilherme Arosa Prol Otero, a falta de interesse político interfere diretamente na solução de barreiras no processo de integração de migrantes e refugiados, como o Estatuto do Estrangeiro e o entrave na revalidação de diplomas de nacionais de outros países que aqui chegam e não conseguem exercer suas profissões. Guilherme acredita que a descentralização das políticas para migrantes é um caminho para aprimorar o acesso às políticas públicas existentes.
Boas práticas
Diante da ausência de uma política nacional para migrantes e refugiados e da falta de comprometimento com a pauta pelo Estado, em suas diversas instâncias, as instituições da sociedade civil seguem atuando nas lacunas deixadas pelo Poder Público, seja na oferta de cursos de português, encaminhamento para vagas de trabalho e orientações sobre serviços de saúde.
Algumas experiências de integração na cidade de São Paulo também foram apresentadas no evento. O coordenador do Centro de Referência e de Acolhida para Imigrantes, Paulo Amâncio, falou dos serviços oferecidos aos refugiados, como encaminhamento para trabalho e, recentemente, a oferta de cursos de português, e destacou a necessidade da institucionalização do serviço, para que ele seja mantido em qualquer governo. O CRAI é gerido pelo Serviço Franciscano de Solidariedade por meio de convênio com a Prefeitura de São Paulo.
O acompanhamento das principais demandas dos refugiados também é feito por meio do programa Orientação de Trajeto, do Adus. A coordenadora do programa, Aline Bammann, ADUS/Orientação de Trajeto, apresentou o trabalho feito por meio dos facilitadores sociais, voluntários da Instituição que realizam visitas aos refugiados e servem como pessoas de referência para ajudar na busca por soluções para questões como moradia, emprego e documentação. O programa também criou uma plataforma online, com informações em inglês, francês, espanhol e árabe. (Clique para acessar a plataforma)
Orientar as mulheres migrantes em relação aos direitos e promover ações de valorização cultural tem sido o trabalho desenvolvido pela Equipe de Base Warmis – Convergência das Culturas. Com o filho nos braços, Andrea Carabantes falou dos desafios cotidianos enfrentados pelas mulheres migrantes e da luta para conscientizar a sociedade e desconstruir preconceitos, ação que também tem sido feita pelo coletivo Conviva Diferente, que oferece aulas de português para falantes de inglês e também atua por meio de voluntários, como a professora Margareth Zoéga.
Desafios no tema do Refúgio
As temáticas abordadas ao longo do Relatório de Advocacy do Adus colocam em pauta os entraves existentes no processo de integração; os fluxos migratórios recentes; o Sistema Internacional de Proteção; o conflito Sírio e o refugiado sírio no mundo; refugiados da África no Brasil; os refugiados ambientais e o caso dos haitianos no Brasil; a saúde mental dos refugiados; o acesso às políticas públicas; e a interferência da discriminação na vida dos refugiados que vivem no país.
Pergunte à Maria, Nkechinyere ou Silvye o que às levou a participar do projeto Vidas Refugiadas e a resposta será: ter voz para dizer o que significa ser uma mulher refugiada, os sonhos e necessidades particulares deste grupo, que já representa cerca de 30% dos refugiados reconhecidos pelo Brasil, ainda que pouco se fale dele.
O projeto foi criado pelo fotógrafo Victor Moriyama e pela advogada Gabriela Cunha Ferraz, em parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para refugiados (ACNUR) e Organização Internacional do Trabalho. Lançado na livraria FNAC, em São Paulo, na véspera do dia Internacional da Mulher, os retratos que apresentam os olhares das oito mulheres refugiadas que participam do projeto ficarão expostos até o dia 31 de março.
A advogada Gabriela, que atuou nas ONGs Médicos Sem Fronteira e Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, destaca que o projeto é uma tentativa de dar o rosto feminino à questão do refúgio, um tema abordado quase sempre pela perspectiva masculina, e, dessa forma, promover a autoestima e o empoderamento das mulheres participantes da iniciativa, por meio de espaços de expressão que permitissem a elas assumir o protagonismo da narrativa da própria história.
“O projeto não é meu, mas foi feito para que elas consigam contar suas histórias e isso está no site, com textos escritos por elas, e nos vídeos, narrados em primeira pessoa. Isso foi feito para que elas assumam as rédeas, para que se compreendam dentro desse universo e consigam recomeçar suas vidas no Brasil”.
O presidente do Comitê Nacional para Refugiados e secretário de Justiça, Beto Vasconcelos, presente no lançamento do projeto, afirmou que a situação de alta vulnerabilidade na qual vivem as mulheres refugiadas mostra que urgente a criação de políticas para esse grupo. “É muito tocante ver a força e a capacidade das mulheres de reconstruir o próprio futuro”.
Para Gabriela, essa reconstrução será possível a partir do momento que a perspectiva de gênero estiver refletida nas políticas públicas. “Precisamos urgentemente desse recorte. Estamos construindo essas políticas e esse é o melhor momento para fazermos com que tenham um olhar transversal”.
A voz das mulheres refugiadas
Maria é jornalista e antropóloga, nascida em Cuba. Solicitante de refúgio no Brasil desde 2014, ela vê incompreensão na sociedade sobre o que é ser refugiados e uma visão preconceituosa sobre as mulheres que estão nessa situação. “Eu assisto constantemente a invisibilidade de nós mulheres quando se fala em refugiados. É necessário desconstruir estereótipos com relação às mulheres refugiadas, que se não são consideradas criminosas, são vistas como prostitutas. É por isso que pensei em participar do projeto e colocar num espaço público a imagem de que somos uma variedade em todos os sentidos”.
Como mulher e refugiada, Maria vê como desafio conseguir emprego para ter acesso a uma vida digna e ter direito à voz. “Se não temos voz, se não temos imagem, a gente não existe. Temos uma situação muito particular que nem sempre está sendo percebida” .
Integração é a palavra que Silvye, refugiada da República Democrática do Congo, no Brasil desde 2014, usa para explicar o que significou participar do projeto “Vidas Refugiadas”. “Os brasileiros não sabem o que é refugiado, não conhecem o povo africano. Por isso, fizemos esse trabalho para o Brasil conhecer a gente, nossa situação e como vivemos aqui. A gente saiu do nosso país contra a vontade, por coisas que aconteceram lá fora”.
Silvye conta que já sofreu discriminação várias vezes no Brasil e vê o projeto como oportunidade para mulheres refugiadas falarem. Advogada com formação em pedagogia, as maiores dificuldades enfrentadas no Brasil foram moradia e trabalho. Ela reclama das exigências para alugar um imóvel, como fiador, algo inviável para quem não tem parentes no país. Além disso, o preço é alto e o salário baixo. “O diploma aqui não vale nada”, lamenta. Mesmo com formação universitária, conseguiu apenas trabalho como faxineira, pelo qual recebe um salário mínimo. “Tenho quatro filhos e tenho que mandar dinheiro para o meu país. Como eu faço? É essa a situação que estamos vivendo aqui”.
Nkeichinyere Jonathan, da Nigéria, solicitante de refúgio desde 2014, também viu no projeto uma oportunidade de conscientizar os brasileiros sobre as particularidades presentes no refúgio. “Ser refugiada no Brasil não é algo fácil. Há diferentes tipos de imigrantes. Alguns vêm para o Brasil para ganhar mais e ter uma vida melhor. Os refugiados não têm nada além da vida. Quando chegam não têm comida, dinheiro ou casa. Por causa do idioma, é muito difícil conseguir trabalho. Quando não nos comunicamos, as pessoas não nos entendem”.
Como mulher, negra e imigrante, ela já se deparou com o racismo no país. “Definitivamente, nós encontramos mais discriminação, mas às vezes não de forma direta. O racismo faz com que você não seja tratada como uma pessoa igual a qualquer outra”. Professora de inglês, ela também teve dificuldade em encontrar um emprego no país e começou a trabalhar com limpeza, assim como Silvye. Mas no trabalho, não recebeu os equipamentos básicos de proteção necessários para fazer o serviço, como luvas e jaqueta para se proteger do frio. Mesmo com problemas ortopédicos, passava sete horas em pé todos os dias. Em outubro, foi demitida sem qualquer razão.
“Todos os seres humanos são iguais. Não é porque sou refugiada que está é minha única sina. Isso pode acontecer com qualquer pessoa. Você pode estar salva hoje e amanhã se tornar uma refugiada, depende das circunstâncias”.
Nesse cenário de discriminação e intolerância, o que Jonathan deseja no Dia Internacional da Mulher é um mundo mais acolhedor, que ela representa na figura da mãe. “Toda mulher é uma mãe em potencial e quando digo mãe quero dizer alguém com um grande coração, no qual todos cabem. Um coração de amor. Se as mulheres forem mães podemos acabar com as crises do mundo, influenciar nossos filhos e maridos e fazer uma sociedade mais amável”.
Exposição fotográfica Vidas Refugiadas Data e hora: de 08 a 31 de março, das 10h às 22h Local: café da FNAC Paulista – Av. Paulista, 901 – São Paulo (SP) Entrada: gratuita
(Brasil Post, 27/09/2015)País latino-americano que mais recebe refugiados sírios, o Brasil vai continuar facilitando a entrada de cidadãos afetados pela guerra civil que assola a Síria desde 2011, e que já matou mais de 250 mil pessoas.
Na última semana, os conselheiros do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados) decidiram, por unanimidade, prorrogar por mais dois anos a Resolução Normativa nº 17, que facilita a emissão de vistos para quem vive na Síria. O último levantamento indica que já foram concedidos 7.752 vistos – a maioria nas embaixadas do Brasil no Líbano, Jordânia e Turquia.
De acordo com o presidente do Conare e secretário Nacional de Justiça, Beto Vasconcelos, ao facilitar a emissão de vistos, são excluídos alguns requisitos aplicados no regime geral de emissão. “Nós não exigimos passagem de volta, demonstração de residência no país de origem e comprovação de depósito bancário, ou seja, renda pré-existente do solicitante”, explica Vasconcelos em entrevista ao Brasil Post.
De 2010 até 2014, o País registrou uma alta de 2.131% no número de solicitações de refúgio. Atualmente, o Brasil tem quase 3.000 refugiados sírios reconhecidos, além dos processos que aguardam decisão. Neste ano, de acordo com o Conare, foram recebidas 890 solicitações de refúgio apenas de cidadãos sírios.
Além da prorrogação da Resolução, o Conare emitiu uma autorização para o Ministério das Relações exteriores firmar parcerias com organismos internacionais, em especial com a Acnur, agência da ONU para refugiados.
Confira a seguir a íntegra da entrevista em que Vasconcelos fala sobre a recepção do Brasil aos refugiados, as próximas medidas que o Estado deve tomar para receber esses fluxos e a recepção do povo brasileiro a quem vem da Síria.
Brasil Post: A prorrogação da Resolução Normativa nº 17 é um passo para trazer mais sírios para o Brasil?
Beto Vasconcelos: Exatamente. É também um passo para facilitar e garantir mais segurança para todo o processo de emissão de vistos especiais e para robustecer a nossa política humanitária.
Como vai funcionar a parceria entre o Conare e a Acnur?
A parceria vai se dar, principalmente auxiliando a execução dessa política de emissão de vistos especiais nas unidades consulares de países vizinhos ao conflito sírio. Nossas unidades consulares têm feito um esforço importante na emissão desses vistos, mas certamente podemos aprimorar a celeridade, a identificação e a facilitação para emitir esses documentos. Além de auxiliar na identificação de casos urgentes, a Acnur, com sua expertise, vai ajudar na facilitação e na obtenção de vistos. Por exemplo, quando há dificuldade na obtenção de documentos e comprovações da ausência de um familiar que está no campo de batalha ou que faleceu.
De que forma o Conare prevê que a prorrogação da regra vai afetar a vinda de sírios para o País?
Depois da emissão dessa resolução, em setembro de 2013, o Brasil acabou por reconhecer 2.097 sírios. Antes eram muito poucos os sírios reconhecidos como refugiados. Com a prorrogação da Resolução, nossa expectativa é manter a política atual e ampliar nossa capacidade de emissão de vistos e, consequentemente, nossa capacidade de recepção e concessão de refúgio à nacionais sírios ou pessoas afetadas pelo conflito. A gente ainda não sabe em qual medida esse aumento vai se dar. Queremos manter a política como está, e ampliá-la na medida em que parcerias se consolidem.
Quais novas parcerias devem ser firmadas?
Há algumas organizações que ainda não foram contatadas mas que pretendemos procurar para prestar auxílio, como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha.
Quais são as maiores dificuldades do Brasil em relação aos refugiados?
Eu acredito que nós já avançamos em várias medidas, estamos executando novas, mas há ainda outros desafios. Nosso desafio é ampliar a rede de acolhimento e assistência aos refugiados no País, tanto em parceria com estados e municípios como em novas parcerias com a sociedade civil. Hoje [dia 23 de setembro] nós temos uma reunião com Estados onde há o maior número de solicitantes e refugiados no Brasil, na região sul e sudeste, para uma primeira conversa sobre a ampliação da rede de acolhimento e assistência. Nosso outro desafio é consolidar e formalizar uma política nacional para refugiados que envolva Estados, municípios e sociedade civil.
Outra meta importante para esse semestre é a aprovação de uma nova lei de imigrações no País. O Brasil tem uma das mais modernas leis de refúgio e uma das mais arcaicas e herméticas leis de imigração.
E em quais pontos o Brasil já avançou?
Já há algumas parcerias estabelecidas com entes federativos, como é o exemplo da implementação do Centro de Referência e Atenção ao Imigrante e ao Refugiado na cidade de São Paulo, uma parceria entre o governo federal e a cidade. O centro, além de acolhimento e abrigamento, proporciona assistência social, jurídica e psicológica.
Além disso, há as parcerias com entidades da sociedade civil, como o Cáritas, no Rio e em São Paulo, e o IMDH de Brasília. Com essas três nos temos parcerias e convênios assinados que preveem, além de assistência jurídica, psicológica e social, auxílio financeiro por um período temporário para ajuda a esses solicitantes e refugiados no Brasil. Há também outras parcerias como a com a Adus, que faz um trabalho exemplar e baseado em voluntariado. Essas novas medidas implementadas foram muito importantes no momento em que a realidade sobre refúgio no Brasil mudou.
Qual foi a mudança do perfil do refugiado no Brasil nos últimos anos?
Em primeiro lugar é importante destacar o cenário mundial: há tempos a ONU alerta o mundo sobre o triste recorde que batemos em relação às pessoas deslocadas de maneira forçada. Os números são assustadores: são 60 milhões de pessoas deslocadas das suas casas, das quais 20 milhões saíram dos seus países. Desses 20 milhões, há um número assustadoramente crescente de nacionais sírios, que já ultrapassam 4 milhões de refugiados e 8 milhões de deslocados internos.
É claro que esse cenário afeta todos os muitos países do mundo, e não foi diferente por aqui, ainda mais tendo o nosso país tomado a iniciativa de abrir a possibilidade humanitária pelo visto especial desde 2013. Esse cenário internacional obviamente impactou o Brasil no aumento significativo nos últimos anos das solicitações e das concessões de refúgio.
O perfil se alterou nesses últimos anos para a maior concessão de refúgios para nacionais sírios, que hoje já são a maior população de refugiados no brasil. Antes, a maior população era a de angolanos, ainda como um resquício da época da guerra civil angolana. Atualmente observa-se também um crescente numero de solicitações e concessões de refúgio para congoleses, que já são a quarta população de refugiados no Brasil.
O que se percebe é uma estagnação do número de refugiados angolanos e colombianos, que antes eram as maiores populações e um crescimento de refugiados da Síria e da República Democrática do Congo.
Conversando com alguns voluntários que trabalham com refugiados, a gente percebe uma dificuldade muito grande em relação à sensibilização de servidores. Os refugiados relatam, por exemplo, dificuldades em abrir conta bancária ou em emitir outros documentos. O que o Conare pretende fazer sobre isso?
Precisamos, sem duvidas, de campanhas de sensibilização sobre o tema de refugio. Nós já iniciamos e está em circulação nas redes sociais uma campanha geral de sensibilização sobre os compromissos que o Brasil assumiu com relação a refúgio. A campanha também tem o intuito de esclarecer quem são essas pessoas, porque elas estão saindo de lá, e esclarecer o drama vivido por pais e famílias inteiras tentando salvar suas vidas, além de reduzir e confrontar manifestações – ainda que pontuais – de xenofobia, preconceito e ódio.
Nós pretendemos, a partir de outubro, iniciar uma campanha junto a entes públicos e privados para esclarecer quais são as normas do País com relação aos direitos dos solicitantes de refugio e refugiados em território nacional.
O senhor mencionou agora a questão de incidentes contra refugiados. Há registros de ataques contra haitianos, racismo, xenofobia. Como o Conare vê essa questão?
Qualquer manifestação de xenofobia, preconceito, ódio ou racismo, nos preocupa enormemente. Por isso a importância das campanhas de esclarecimento e sensibilizacão e, obviamente, quando verificadas as agressões, a devida apuração legal por parte das autoridades policiais e judiciárias. Esse tipo de atitude não combina com o Brasil, não combina com o povo brasileiro. O Brasil, se consciente de que é construído em fluxos migratórios distintos, certamente vai receber, de maneira humanitária e solidária, esses refugiados que passam por um momento tão delicado e tão sensível da vida deles.
O brasileiro tem sido receptivo aos refugiados?
Eu vejo a possibilidade de acolhida como um dos nossos grandes ativos. A identidade da sociedade brasileira é uma identidade de diferentes povos, culturas, de miscigenação e de solidariedade. Essa é a nossa história. Fomos construídos por fluxos migratórios em diversos momentos e por diversas razoes: tanto econômicas quanto humanitárias. Quantos europeus vieram para cá na Primeira e na Segunda Guerra Mundial?
Tantos nacionalidades de outros países e outras regiões do mundo vieram ao longo da história para o Brasil ajudaram a construir a sociedade brasileira, com empreendedorismo, com geração de novas oportunidades de trabalho e com uma construção de culturas diferentes aqui no País.
Um fato marcante, infelizmente, foi a imagem do menino Aylan. Aquele pode e deve ter sido um marco importante na mudança da postura de vários países com relação ao tema, mas também na sensibilização das pessoas, que passaram a compreender o drama humanitário que nós estamos vivendo.
Aquela cena foi a expressão mais dramática e triste de uma realidade cruel para a qual a ONU já vem alertando há muito tempo, e traz evidências, para todos nós, que o momento de maior desespero que um ser humano pode ter que é a tentativa de salvar a sua família. Afinal, nenhum pai, nenhuma mãe, coloca seus filhos num barco, para atravessar o mar, diante de um evidente e conhecido risco de morte, se a terra firme for mais segura. Esclarecer isso, infelizmente chegando ao ponto de mostrar fotos tão chocantes, tem o condão de esclarecer e sensibilizar sociedades no mundo e a sociedade brasileira também.
Ao final do corredor do prédio da Avenida Rio Branco, no centro de São Paulo, das paredes pintadas de violeta pelos próprios moradores, uma escadaria leva à área que antes era usada como salão, mas que deu lugar a pequenas quitinetes, onde idiomas de diversos países se mesclam. Vindos do continente africano, América Central ou América do Sul, solicitantes de refugio e imigrantes o local. Em cerca de 20 metros quadrados, estão cama, armário, uma pequena mesa e um sonho: uma vida melhor do que aquela deixada no país de origem.
Cerca de 40 estrangeiros vivem nas ocupações do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), braço da Frente da Luta pela Moradia (FLM). Destes, 23 são refugiados ou solicitantes de refúgio e outros 17 são haitianos.
O Brasil tem hoje 7.700 refugiados de 81 nacionalidades diferentes. Segundo o Conare, o número de pedidos de refúgio no Brasil cresceu 2.131% nos últimos cinco anos – de 1.165 em 2010 para 25.996 em 2014. Com isso, no ano passado o Brasil se tornou o país que mais recebe solicitações de refúgio na América Latina.
A estrutura para acolhimento, porém, ainda está muito longe da ideal. Em São Paulo, são poucos os espaços para acolhimento temporário de imigrantes e refugiados: Casa do Migrante, com 120 vagas, Centro de Referência e Acolhida para Imigrantes (CRAI), com 110 vagas, e a Casa de Passagem Terra Nova, com 50 vagas. Quando deixam estes ou outros espaços, os imigrantes se deparam com a barreira do aluguel e se dispersam para bairros afastados da cidade por não ter condições de arcar com os custos da moradia.
A ocupação é, acima de tudo, uma necessidade imposta diante da especulação imobiliária que afeta a todos, mas que é contestada por poucos. Os moradores que vivem nas ocupações do MSTC seguem normas de um regimento, no qual se comprometem a colaborar com a manutenção do espaço e também devem participar dos atos realizados pelo movimento, que busca o acesso a políticas públicas de habitação para brasileiros e estrangeiros de baixa renda.
A busca por direitos
O sonho de Yvete Tchuendem, 40 anos, é reencontrar os dois filhos, de 15 e 18 anos, que ficaram em Camarões, na África. Os grandes olhos castanhos de Yvete se enchem de lágrimas ao lembrar da família. Há dez meses, ela teve que fugir de sua terra para escapar da violência. Planejou ir para o Equador, mas a viagem terminou no conector do Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos, onde permaneceu por 24 dias, pela falta de visto para prosseguir viagem e sem a possibilidade de voltar para Camarões.
Em São Paulo, ela solicitou refúgio e aguarda o parecer do Comitê Nacional para Refugiados (Conare). Nos cinco primeiros meses na cidade, Yvete morou na Casa do Migrante, da Missão Paz, no bairro do Glicério. Quando precisou sair do abrigo, se deparou com o preço alto até mesmo de pequenas moradias. Pagar o aluguel não permitiria que ela, que trabalha nas madrugadas numa rede fast-food, pudesse enviar uma parte do salário para ajudar a família.
Foi então que um amigo lhe indicou o contato de Pitchou Luambo, refugiado da República Democrática do Congo (RDC) e um dos criadores do Grupo de Refugiados e Imigrantes sem teto de São Paulo (GRIST), que integrao MSTC. Assim que deixou a Casa do Migrante, Yvete passou a viver na ocupação da Avenida Rio Branco. Seu desejo, em pleno Dia do Refugiado, é apenas um. “Eu quero só o RNE para trazer meus filhos”, diz aos prantos.
O congolês Pitchou, refugiado no Brasil há 4 anos, aponta a falta de documentação e a moradia como os principais problemas enfrentados por refugiados e imigrantes na cidade, que os torna vulneráveis. “Estamos lutando muito para conseguir futuramente moradia definitiva e resolver outros problemas. As pessoas falam de trabalho escravo, mas não falam o que gera isso, que é a falta de moradia e documentação. Se resolvermos pelo menos esses dois problemas, a vida vai ficar melhor para os estrangeiros que vivem no Brasil e para os que chegarem no futuro”.
Para dar exemplo de que por meio da organização dentro de um movimento social poderiam lutar para vencer tais dificuldades, Pitchou passou a viver em uma das ocupações do centro com a esposa e os dois filhos, mas ressalta que não são todos os refugiados que integram o grupo que moram nas ocupações da cidade. Advogado na terra natal, o congolês deixa claro que aquilo que desejam alcançar por meio do GRIST. “Não queremos ajuda do governo, mas que seja dado nossos direitos, como está previsto na Constituição Brasileira: que estrangeiros e brasileiros são iguais perante a lei. Isso é o que nós queremos”.
No dia 30 de maio, o GRISTS promoveu o 1º Fórum Morar no Refúgio, que reuniu representantes do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, MSTC, governo e prefeitura de São Paulo. O objetivo foi pensar de forma integrada em propostas para superar as dificuldades geradas pela demora no tramite para obtenção do Registro Nacional do Estrangeiro (RNE).
Um dos problemas é a falta de conhecimento dos agentes públicos e privados sobre a validade do Protocolo de Permanência Provisória, uma filipeta de papel que contém o número de RNE provisório e uma foto do solicitante de refugio, que funciona como um registro de identidade que permite o acesso políticas públicas que dependem da apresentação de documentos, a emissão do CPF e da carteira de trabalho. Porém, por desconhecimento, muitas vezes o Protocolo não é aceito. Promover essa conscientização também tem sido um desafio para o GRIST. “Todos precisam reconhecer a validade e legalidade do protocolo, porque muitos ainda não conhecem. O povo brasileiro tem que reconhecer que esse é o nosso documento”, enfatiza Pitchou.
Em busca de uma vida melhor
O GRIST, que é composto não só por refugiados que vivem nas ocupações do MSTC, se reúne periodicamente para promover ações e buscar soluções conjuntas para problemas que afetam todos os integrantes do grupo, como moradia, documentação, criação de conta bancária e emprego. Desde o ano passado, o coletivo também realiza palestras de conscientização no Colégio Santa Cruz e auxilia artistas que desejam desenvolver ações com os refugiados.
Em busca desses direitos, a colombiana Marilu Caicedo, de 44 anos, chegou ao Brasil há um ano e meio. “A verdade é que em meu país não tem comida. Não consigo trabalho, por causa da minha idade e instrução. Trabalhei como empregada doméstica para famílias ricas, mas é muito humilhante. O governo da Colômbia não entende o que é ser pobre”, desabafa, sem conter as lágrimas.
O desejo inicial de Marilu era imigrar para o Chile, mas teve problemas com atravessadores na Bolívia que queriam lhe cobrar mil dólares para seguir viagem. Marilu não tinha esse dinheiro e teve que viajar para o Equador. Trabalhou por dois meses no país, até que lhe disseram que o Brasil era um país aberto e que nele conseguiria boas oportunidades.
A colombiana chegou à cidade de Brasileia, no Acre, assim como senegaleses, haitianos e outros migrantes. Solicitou refúgio e com o auxilio de brasileiros, conseguiu emprego em uma loja de sapatos. Foi demitida antes de completar um ano de trabalho, mas teve acesso ao seguro desemprego. Durante os três meses que recebeu o benefício, continuou a procurar trabalho, sem nada encontrar. Com o dinheiro que lhe restava, pagou uma passagem para São Paulo, em janeiro deste ano.
Na cidade, teve ajuda de uma família brasileira, que lhe recebeu em casa por dois meses. Nesse período, tentou procurar um quarto para morar, mas tudo era caro demais. Marilu ganha um salário mínimo como copeira de hotel. “Se pagar aluguel, não come”, exemplifica. Além disso, assim como Yvete, a colombiana também precisa enviar dinheiro para a família. As três filhas e a mãe ficaram no país. A solução foi morar na ocupação. “O Brasil é um país muito lindo, mas o dinheiro aqui é muito desvalorizado”.
A mesma dificuldade é vivida por Carolina Batista, de 33 anos, e Fior Serrana, de 27 anos, ambas solicitantes de Refúgio da República Dominicana. As duas deixaram o país diante da dificuldade de conseguir trabalho. Carolina imigrou há dez meses, depois da irmã, que vive em Guarulhos. Começou a trabalhar em São Paulo e a distância e a necessidade de economizar a fizeram ir viver numa ocupação na Sé, depois foi para José Bonifácio e depois se mudou para a Rio Branco. Mãe de três filhos, ela também manda parte da renda que recebe como operadora de telemarketing para a família que ficou no país. “O dinheiro aqui é muito pouco e a vida é muito cara. Ocupação não é seguro, porque essa casa não é nossa. Uma casa seria muito melhor. Desejaria que o governo nos desse esse prédio para morar, para que não tivéssemos que sair daqui nunca”.
Fior chegou a São Paulo há seis meses e, como não conhecia ninguém, teve que se hospedar em um hotel, até ficar sem dinheiro. Por indicação de Carolina, foi viver na ocupação da Rio Branco. Mesmo a pouco tempo no país, Fior percebe ao andar pela cidade como a questão da moradia afeta também muitos brasileiros. Quando lhe pergunto que mensagem mandaria ao governo e a sociedade no Dia do refugiado, ela pede, mas não por ela: “que tirem todos os mendigos da rua e que eles tenham um lugar para morar, porque isso é muito triste e muitos morrem de frio”.
(Sul 21, 25/03/2015) Os estrangeiros que chegam para permanecer na Capital terão, a partir de agora, o auxílio do Comitê Municipal de Atenção aos Imigrantes, Refugiados, Apátridas e Vítimas do Tráfico de Pessoas (Comirat). O órgão municipal foi instalado na tarde desta quarta-feira (25) e será constituído por 24 integrantes, entre representantes da prefeitura e da sociedade civil. O Comirat, que se reunirá uma vez por mês, tem como propósito “articular e propor políticas públicas específicas” com foco na proteção dos direitos humanos dos migrantes.
Atualmente, conforme a Secretaria Adjunta dos Povos Indígenas e dos Direitos Específicos da prefeitura, não há uma estimativa do número de imigrantes na Capital, contudo, no final do ano passado, seriam 4 mil, entre haitianos, senegaleses e uruguaios, principalmente, e que o controle sobre a entrada dos estrangeiros é feita pela Policia Federal. Mas, com a implantação do Comirat, esses dados começarão a ser levantados.
Coordenador do Fórum Permanente de Mobilidade Humana, Elton Bozzetto disse que é difícil fazer um cálculo mais preciso dos migrantes, porque há mais de uma porta de entrada no país. Na cidade de Brasiléia, no Acre, segundo ele, há um controle do ingresso dos estrangeiros, no entanto, nas fronteiras do Uruguai e Argentina é “mais difícil”. Hoje, conforme Bozzetto, a acolhida e assistência aos migrantes que desembarcam na Capital são feitas pela Igreja Católica. A referência é o Centro Ítalo Brasileiro de Assistência e Instrução às Migrações, o Cibai, que funciona junto à Igreja Pompeia. Também há uma unidade da Pastoral do Imigrante na Estação Rodoviária para fazer a primeira acolhida dos imigrantes.
Ligada à Igreja Católica, a Cáritas Diocesana é a entidade que ajuda os migrantes que, por exemplo, não têm itens básicos para viver na cidade, como cama e fogão. “A Cáritas dá o suporte de auxílio aos migrantes, assegurando a sobrevivência”, explicou Bozzetto. Agora, acrescentou ele, a entidade também está fazendo a transcrição dos documentos para o português, já que essa é uma exigência da Polícia Federal para encaminhar a regularização dos estrangeiros na cidade.
O coordenador do Fórum Permanente de Mobilidade Humana defendeu “uma ação mais eficaz” do Estado e de Porto Alegre para auxiliar os imigrantes. Ele cobrou que o Comirat encampe a instalação pela prefeitura de um Centro de Referência de Acolhimento e Atendimento para ser referência aos migrantes que desembarcam na Capital. Em resposta à reivindicação de Bozzetto, a secretária adjunta dos Povos Indígenas e dos Direitos Específicos da prefeitura, Karina Davila, disse que o centro será viabilizado, porém a discussão da demanda começará agora com a instalação do comitê.
Defensora pública da União, Fernanda Hahn enfatizou que a implantação do Comirat representa “um marco” para um Estado que recebe “um grande fluxo” de migrantes. Ela relembrou a chegada, no final de novembro do ano passado, na Capital de dezenas de haitianos enviados pelo governo do Acre, surpreendendo os órgãos públicos. “Havia chegado a hora do poder público assumir essa questão”, observou ela, sobre a assistência da prefeitura aos haitianos. Dos 230 que desembarcaram em Porto Alegre à época, segundo a Secretaria de Direitos Humanos, só 30 permaneceram na cidade.
Sobre a atuação do Comirat para atender os migrantes, a defensora alertou que é preciso fazer um trabalho coordenado com as pastas, por exemplo, de Saúde, de Educação e do Trabalho, não bastando só as ações articuladas pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos.
(Pref. SP, 22/03/2015)Segunda ação integrada da Prefeitura reuniu serviços de saúde, direitos humanos, educação e orientações para o trabalho
A Prefeitura de São Paulo, em parceria com a Sociedade Beneficente Muçulmana de Santo Amaro (SOBEM), realizou neste último sábado uma ação para atender mais de 300 refugiados sírios e moradores de Cidade Ademar na Mesquita Santo Amaro, zona sul da cidade. Coordenado pelo programa São Paulo Carinhosa, dirigido pela primeira-dama, Ana Estela Haddad, o mutirão envolveu diversas secretarias para o atendimento de famílias e crianças em situação de vulnerabilidade social, oferecendo serviços de saúde, direitos humanos, educação e orientações para o trabalho.
“Esta é a segunda experiência que estamos realizando com a ajuda de diversas áreas da Prefeitura que tem uma interface com a imigração. Pelo fato de que nas famílias há muitas crianças, nós estamos tentando contribuir um pouquinho e temos também junto conosco as secretarias de Direitos Humanos, Educação, várias áreas da Saúde, Assistência Social e Trabalho. Então está ação é como um acolhimento para a chegada que eles têm aqui”, afirmou Ana Estela.
Assim como a primeira ação, realizada em junho do ano passado na Mesquita do Pari, região central, o mutirão realizado em Santo Amaro teve o objetivo de integrar os refugiados junto a sociedade brasileira. Esta atitude cidadã faz com que dezenas de famílias recém-chegadas ao Brasil sintam um pouco mais de conforto nesta acolhida, eliminando as principais dificuldades que encontram.
“Meu marido veio quatro meses antes que eu e mesmo assim tive muita dificuldade, principalmente na comunicação. Muitos conhecidos desembarcam no aeroporto e não conseguem se comunicar, mesmo falando inglês. Hoje eu vim aqui para conhecer melhor os serviços de saúde e aproveitei para colocarmos as nossas vacinas em dia. É muito importante saber que existe um serviço assim”, disse Rania Tameen, enquanto esperava para ser atendida ao lado de seus dois filhos. Rania já se inscreveu para o curso de português oferecido pela comunidade.
Serviços
A parceria com a Secretaria Municipal de Saúde possibilitou que os refugiados fossem cadastrados no Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, durante toda a tarde foram oferecidos exames preventivos, orientações sobre a dengue, teste para diabetes, pressão arterial, avaliação de saúde bucal e vacinação para crianças e adultos.
A Secretaria Municipal de Educação também esteve presente prestando orientações sobre vagas nas escolas municipais de ensino infantil e fundamental (EMEIs e EMEFs). Durante os atendimentos, também foram oferecidos serviços de inclusão social, como o cadastramento no programa Bolsa Família.
“Eu vim aqui para conhecer de perto como está o acolhimento e o atendimento aos imigrantes e refugiados desta guerra civil na Síria, que tem causado tantos problemas. Eles fogem e acabam chegando aqui no Brasil, em especial em São Paulo, onde há a maior comunidade sírio-libanesa. Eles sabem que podem ser acolhidos pelo colégio 24 de Março, pela mesquita mulçumana e pela SOBEM. Por este motivo, a parceria que estamos realizando aqui hoje é fundamental”, afirmou o secretário municipal de Direitos Humanos, Eduardo Suplicy.
Inclusão no mercado de trabalho
Mesmo com qualificação e ensino superior, muito refugiados encontram dificuldade na hora de conseguir um emprego formal pela inexistência carteiras de trabalho e principalmente pela baixa fluência na língua portuguesa. Por conta disso, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo realizou o cadastramento da comunidade no Centro de Apoio ao Trabalho (CAT).
“Nós temos aqui muitos médicos, engenheiros, arquitetos, então o primeiro problema é resolver a questão da documentação. A partir do momento que você tem a documentação em mãos, nós temos que garantir que hajam carteiras profissionais para que eles sejam inseridos no mercado de trabalho e principalmente, que hajam empresas que ofereçam vagas para esses trabalhadores”, afirmou o secretário Artur Henrique.
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Crédito: Eduardo Ogata / SP Carinhosa
(Géssica Brandino e Rodrigo Veronezi/Brasil de Fato) Direito a votar e ser votado. Substituição do Estatuto dos Estrangeiros por uma lei que contemple os direitos humanos da população imigrante. Melhorar o atendimento e garantir o acesso e a permanência nos serviços públicos. Desburocratizar procedimentos e dar celeridade aos processos para emissão do Registro Nacional de Estrangeiro. Essas foram algumas das 57 propostas aprovadas pela 1º Conferência Municipal de Políticas para Imigrantes de São Paulo, que ocorreu na capital paulista de sexta (29/11) a domingo (1/12).
Realizada pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo, o evento reuniu imigrantes de 35 nacionalidades e mais de 300 participantes. Estiveram presentes representantes do governo federal, estadual, Congresso Nacional, consulados e membros de diversas entidades que trabalham com imigrantes e refugiados. Mais da metade da população imigrante do país reside no estado paulista.
Morador de São Paulo há 28 anos, o imigrante boliviano e agente comunitário de saúde Jorge Gutierrez Lopez tem contato diário com imigrantes das diferentes nacionalidades que vivem na cidade e pode verificar de perto a realidade de cada um. Para ele, o voto é essencial para o reconhecimento dos direitos dos imigrantes no país. “Vejo como grande necessidade do imigrante é o direito ao voto. Nós, como moradores de São Paulo, contribuímos como qualquer brasileiro, porque pagamos impostos”.
Entre as propostas encaminhadas pela conferência está o apoio a PEC 347/2013 para dar ao imigrante o direito ao voto e candidatura.
Na sexta-feira (29), foi assinado um decreto criando cadeiras para imigrantes nos conselhos deliberativos de 22 das 32 subprefeituras de São Paulo que têm mais de 0,5% da população composta por imigrantes, de acordo com o Censo de 2010 do IBGE. As inscrições para a participação começarão no dia 24 de janeiro e as eleições serão em 30 de março.
Melhor atendimento
A boliviana Jobana Moya reivindicou na Conferência uma queixa recorrente ao longo do evento, por imigrantes das diversas nacionalidades: a melhoria do atendimento na rede pública. “Estamos lutando para que em nossa vida cotidiana sejamos menos discriminados, sejamos melhor acolhidos e tenhamos de fato acesso aos serviços públicos”, defendeu a voluntária da Convergência Cultural das equipes de base – Warmis, palavra que significa mulheres em quéchua.
Grávida de cinco meses e mãe de uma menina de três anos, Jobana acompanhou de perto o sofrimento das bolivianas obrigadas a fazer cesárea e defende a criação de uma casa de parto para mulheres imigrantes. “A indústria do parto mete muito terror nas mulheres. É uma violência muito grande e traumática, na qual pouco se fala. Acho que o sistema de saúde pública tem que melhorar para todos. Não é uma luta só das mulheres imigrantes, mas também das brasileiras”.
Entre as propostas da Conferência, está a qualificação, sensibilização e capacitação dos profissionais dos serviços públicos de diferentes áreas quanto aos direitos dos imigrantes e a cultura de cada um. Com isso, o que se espera é evitar xenofobia,bullying e qualquer tipo de discriminação e racismo.
Celeridade
Há um ano e nove meses no Brasil, o jornalista Alphonse Nyembo, da República Democrática do Congo realiza trabalhos de tradução, mas ainda não tem emprego fixo. Solicitante de refúgio, ele recebeu um protocolo que tem sido renovado a cada três meses, enquanto aguarda o parecer do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) sobre seu pedido. Para ele e outros refugiados, acelerar esse processo é uma urgência. “Dá para fazer algumas coisas com esse protocolo, mas muitas instituições não aceitam esse documento. Isso complica muitas coisas. Falam que você não está legalizado aqui. Esperamos que essa conferência ajude a quebrar essas barreiras”.
Para o presidente da Associação Islâmica de São Paulo, Mohamad il Kadri, a Conferência foi uma oportunidade para mudar a situação cultural do país e melhorar o acolhimento dos refugiados. “É preciso dar assistência para colocar a disposição dos refugiados e imigrantes os aparelhos públicos e incluí-los nos projetos sociais existentes”, defende. A Associação auxilia os refugiados sírios na cidade.
Uma das propostas da Conferência é a formalização do protocolo e a criação de uma certidão na qual constem os direitos dos refugiados para facilitar o atendimento.
Políticas transversais
Para o secretário, a Conferência contribuiu para apontar falhas e cobrar uma melhor organização do poder público para garantia dos direitos aos imigrantes. “Não existe uma cultura na gestão pública de trabalhar as políticas de forma transversal e essa é uma tarefa da nossa secretaria. A Conferência foi o momento importante para sensibilização de vários setores do governo para o trabalho com a população imigrante”, reforça.
Para a representante da Secretaria da Justiça e Promoção à Cidadania do Estado de São Paulo, coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e da Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo, Juliana Armede, é preciso criar o espírito de colaboração entre o governo e sociedade civil. “Temos expectativa de aproximar cada vez mais as pessoas, para que visualizem as deficiências das três esferas de governo e percebam que é preciso participar e colaborar”.
O texto final das propostas foi debatido, modificado e aprovado pela plenária geral da Conferência e agora será encaminhado para a etapa nacional. “Por ter sido a primeira Conferência de Imigração no Brasil, podemos dizer que foi um grande sucesso envolver os imigrantes nesse debate público de como deve ser a nossa política tanto no município quanto a nível nacional”, destaca a coordenadora adjunta da coordenadoria de Políticas Públicas para Imigrantes da prefeitura, Camila Baraldi.
Etapa Nacional
A Conferência elegeu 50 delegados que levarão as propostas para a Conferência Nacional de Imigração no próximo ano. Para o coordenador da etapa nacional, o secretário nacional de Justiça do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, os debates realizados em São Paulo servirão como base para as discussões das demais conferências em todo o Brasil e ajudarão a mudar a abordagem sobre a questão migratória.
Nos últimos seis meses, um grupo de especialistas designado pela Secretaria de Justiça realizou uma série de audiências públicas e estudos para a criação de um anteprojeto de uma lei de imigrações, cuja proposta deve ser apresentada dentro de dois meses. A partir disso, serão realizados debates públicos, coleta de sugestões da sociedade civil e discussões com os atores governamentais importantes na política migratória e com o Congresso Nacional para encaminhamento do texto ao legislativo.
“Trabalhamos com conceito de sair do paradigma de uma lei de estrangeiros que ainda está inspirada na doutrina da segurança nacional, que coloca o imigrante como inimigo de potencial risco, para uma legislação que o coloque no centro das políticas públicas, como cidadão com os mesmos direitos dos nacionais brasileiros”, afirma o secretário nacional, Paulo Abrão.
(Gessica Brandino e Rodrigo Veronezi/ Brasil de Fato) Evento, que vai até domingo (1), ocorrerá no Centro Universitário Anhanguera; SP é a cidade que concentra a maior parte da população imigrante do Brasil – 360 mil
Resultado de anos de luta e reivindicações das comunidades migrantes e da sociedade civil organizada, começa nesta sexta-feira, a partir das 19h30, no Centro Universitário Anhanguera, a 1ª Conferência Municipal de Políticas para imigrantes de São Paulo. O evento ocorre até domingo (1) e dele sairão propostas e delegados para a I Conferência Nacional de Migração e Refúgio, prevista também para a capital paulista no 1º semestre de 2014.
São Paulo é a cidade que concentra a maior parte da população imigrante do Brasil – 360 mil, de acordo com registros da Polícia Federal. O município também é a maior referência nacional em solicitações de refúgio – segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, de 2010 a 2012 foram apresentadas em São Paulo 45% dos 3.712 pedidos no Brasil.
Para Paulo Illes, coordenador de Políticas Públicas para Imigrantes da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, a expectativa é que pelo menos 60% dos participantes da Conferência sejam imigrantes. “Esperamos que seja um marco para as políticas públicas não só de São Paulo, mas em âmbito nacional, uma vez que mais da metade dos imigrantes do país vive na cidade.”
Durante as quatro etapas preparatórias oficiais e outras seis organizadas pela sociedade civil, foram levantadas 220 propostas. Desse total, 60 foram priorizadas e serão debatidas ao longo deste sábado pelos participantes da Conferência.
As propostas e princípios aprovados na plenária deste domingo serão consolidados em um Documento Final, a ser encaminhado à etapa nacional.Segundo Illes, uma reivindicação recorrente em todas as etapas foi o direito a voto, além do pedido de uma nova anistia e da criação de uma nova legislação nacional que substitua o Estatuto dos Estrangeiros, criado no período da ditadura militar.
A regularização dos espaços públicos utilizados pelos imigrantes para a realização de feiras e festas, a formação em outros idiomas para os profissionais que realizam o atendimento na rede pública, a regularização do micro empresariado e a mudança no sistema de emissão das carteiras de trabalho são outras demandas que estarão presentes na Conferência.
“As etapas livres e mobilizadoras no centro e na periferia contribuíram grandemente com formulação de propostas e também um “aquecimento” do debate e participação das comunidades. Como migrante eu acho importantíssima esta Conferência inédita, onde esperamos sejam consideradas as propostas voltadas às necessidades especiais do papel que hoje exerce a mulher migrante e sua família”, avalia a imigrante peruana e coordenadora do Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC), Tania Bernuy.
Participação política
Na abertura da Conferência, o prefeito Fernando Haddad assinará um decreto criando cadeiras para imigrantes nos conselhos deliberativos de 22 das subprefeituras de São Paulo que têm mais de 0,5% da população composta por imigrantes, conforme o Censo de 2010 do IBGE.
Para Illes, com isso será dado o primeiro passo na participação política dos imigrantes em São Paulo.As inscrições para a participação começarão no dia 24 de janeiro e as eleições no dia 30 de março. “Os imigrantes terão mandato igual aos demais conselheiros, com os mesmos direitos a voz e voto”, garante Illes.
Expectativa
Além da participação política, outras questões estarão presentes na discussão – como o papel da mulher, a inclusão social e o reconhecimento cultural, o enfrentamento da xenofobia e do racismo.
“Essa conferência vai permitir conhecer, debater, refletir e principalmente encontrar soluções para os mais variados problemas que os imigrantes encontram aqui, desde a documentação básica até a moradia. Por ser membro do Comitê contra o Genocídio da Juventude Negra tenho uma responsabilidade com os meus irmãos africanos que chegando aqui se depararam com o nosso racismo somado ao preconceito com aquilo que eles trazem em termos de religião, cultura e valores. Muitas vezes, por não conhecer, o brasileiro acaba discriminando esses imigrantes duas vezes”, destaca o professor universitário Ailton Santos, também membro da Comissão Organizadora da conferência.
Filha de imigrante paraguaia, a coordenadora do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (CEBRAPAZ) e integrante da Associação Integração Paraguai Brasil “Japayke”, Mercedes Alencar, avalia o evento como uma conquista e espera que nela sejam apontadas soluções para os problemas dos imigrantes na cidade.
“A Conferência viabiliza a construção coletiva de políticas públicas voltadas para nossa comunidade. Nossas demandas passam a ter a força do Estado. É um passo de extrema significância para conferir direitos àqueles que contribuem ativamente no desenvolvimento deste país”, destaca.
Veja abaixo a programação da I Conferência Municipal de Políticas para Imigrantes
29 de nov.:
18h – 19h30: Recepção e Credenciamento dos Participantes
19h30 – 20h: Apresentação Cultural
20h – 20h45: Cerimônia de Abertura com Autoridades e Imigrantes
20h45 – 21h15: Palestra
30 de nov.:
8h – 12h: Credenciamento
9h – 10h: Aprovação do Regimento Interno
10h – 13h: Grupos de Trabalho
13h – 14h: Pausa para almoço
14h – 16h: Grupos de Trabalho
16h – 16h30: Coffee Break
16h30 – 18h: Plenária (Eleição dos Delegados)
18h – Apresentação Cultural1º de dez.:
8h30 – 11h: Plenária (Votação das Propostas) I Conferência Municipal de Políticas para