Vidas Refugiadas conscientiza e dá voz às mulheres refugiadas

Pergunte à Maria, Nkechinyere ou Silvye o que às levou a participar do projeto Vidas Refugiadas e a resposta será: ter voz para dizer o que significa ser uma mulher refugiada, os sonhos e necessidades particulares deste grupo, que já representa cerca de 30% dos refugiados reconhecidos pelo Brasil, ainda que pouco se fale dele.

O projeto foi criado pelo fotógrafo Victor Moriyama e pela advogada Gabriela Cunha Ferraz, em parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para refugiados (ACNUR) e Organização Internacional do Trabalho. Lançado na livraria FNAC, em São Paulo, na véspera do dia Internacional da Mulher, os retratos que apresentam os olhares das oito mulheres refugiadas que participam do projeto ficarão expostos até o dia 31 de março.

A advogada Gabriela, que atuou nas ONGs Médicos Sem Fronteira e Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, destaca que o projeto é uma tentativa de dar o rosto feminino à questão do refúgio, um tema abordado quase sempre pela perspectiva masculina, e, dessa forma, promover a autoestima e o empoderamento das mulheres participantes da iniciativa, por meio de espaços de expressão que permitissem a elas assumir o protagonismo da narrativa da própria história.

“O projeto não é meu, mas foi feito para que elas consigam contar suas histórias e isso está no site, com textos escritos por elas, e nos vídeos, narrados em primeira pessoa. Isso foi feito para que elas assumam as rédeas, para que se compreendam dentro desse universo e consigam recomeçar suas vidas no Brasil”.

O presidente do Comitê Nacional para Refugiados e secretário de Justiça, Beto Vasconcelos, presente no lançamento do projeto, afirmou que a situação de alta vulnerabilidade na qual vivem as mulheres refugiadas mostra que urgente a criação de políticas para esse grupo. “É muito tocante ver a força e a capacidade das mulheres de reconstruir o próprio futuro”.

Para Gabriela, essa reconstrução será possível a partir do momento que a perspectiva de gênero estiver refletida nas políticas públicas. “Precisamos urgentemente desse recorte. Estamos construindo essas políticas e esse é o melhor momento para fazermos com que tenham um olhar transversal”.

A voz das mulheres refugiadas

Maria é jornalista e antropóloga, nascida em Cuba. Solicitante de refúgio no Brasil desde 2014, ela vê incompreensão na sociedade sobre o que é ser refugiados e uma visão preconceituosa sobre as mulheres que estão nessa situação. “Eu assisto constantemente a invisibilidade de nós mulheres quando se fala em refugiados. É necessário desconstruir estereótipos com relação às mulheres refugiadas, que se não são consideradas criminosas, são vistas como prostitutas. É por isso que pensei em participar do projeto e colocar num espaço público a imagem de que somos uma variedade em todos os sentidos”.

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Maria: “as mulheres refugiadas devem ter direito à voz própria. Ser sujeito e não objeto. Ter acesso ao emprego para ganhar a vida com dignidade” (Fotos: Vidas Refugiadas/ Victor Moriyama)

Como mulher e refugiada, Maria vê como desafio conseguir emprego para ter acesso a uma vida digna e ter direito à voz. “Se não temos voz, se não temos imagem, a gente não existe. Temos uma situação muito particular que nem sempre está sendo percebida” .

Integração é a palavra que Silvye, refugiada da República Democrática do Congo, no Brasil desde 2014, usa para explicar o que significou participar do projeto “Vidas Refugiadas”. “Os brasileiros não sabem o que é refugiado, não conhecem o povo africano. Por isso, fizemos esse trabalho para o Brasil conhecer a gente, nossa situação e como vivemos aqui. A gente saiu do nosso país contra a vontade, por coisas que aconteceram lá fora”.

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Silvye: “nesse dia internacional das mulheres queremos que a situação das refugiadas no Brasil seja vista com outro olhar”

Silvye conta que já sofreu discriminação várias vezes no Brasil e vê o projeto como oportunidade para mulheres refugiadas falarem. Advogada com formação em pedagogia, as maiores dificuldades enfrentadas no Brasil foram moradia e trabalho. Ela reclama das exigências para alugar um imóvel, como fiador, algo inviável para quem não tem parentes no país. Além disso, o preço é alto e o salário baixo. “O diploma aqui não vale nada”, lamenta. Mesmo com formação universitária, conseguiu apenas trabalho como faxineira, pelo qual recebe um salário mínimo. “Tenho quatro filhos e tenho que mandar dinheiro para o meu país. Como eu faço? É essa a situação que estamos vivendo aqui”.

Nkeichinyere Jonathan, da Nigéria, solicitante de refúgio desde 2014, também viu no projeto uma oportunidade de conscientizar os brasileiros sobre as particularidades presentes no refúgio. “Ser refugiada no Brasil não é algo fácil. Há diferentes tipos de imigrantes. Alguns vêm para o Brasil para ganhar mais e ter uma vida melhor. Os refugiados não têm nada além da vida. Quando chegam não têm comida, dinheiro ou casa. Por causa do idioma, é muito difícil conseguir trabalho. Quando não nos comunicamos, as pessoas não nos entendem”.

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Nkechinyere: “Todos os seres humanos são iguais. Não é porque sou refugiada que está é minha única sina. Isso pode acontecer com qualquer pessoa. Você pode estar salva hoje e amanhã se tornar uma refugiada, depende das circunstâncias”

Como mulher, negra e imigrante, ela já se deparou com o racismo no país. “Definitivamente, nós encontramos mais discriminação, mas às vezes não de forma direta. O racismo faz com que você não seja tratada como uma pessoa igual a qualquer outra”. Professora de inglês, ela também teve dificuldade em encontrar um emprego no país e começou a trabalhar com limpeza, assim como Silvye. Mas no trabalho, não recebeu os equipamentos básicos de proteção necessários para fazer o serviço, como luvas e jaqueta para se proteger do frio. Mesmo com problemas ortopédicos, passava sete horas em pé todos os dias. Em outubro, foi demitida sem qualquer razão.

“Todos os seres humanos são iguais. Não é porque sou refugiada que está é minha única sina. Isso pode acontecer com qualquer pessoa. Você pode estar salva hoje e amanhã se tornar uma refugiada, depende das circunstâncias”.

Nesse cenário de discriminação e intolerância, o que Jonathan deseja no Dia Internacional da Mulher é um mundo mais acolhedor, que ela representa na figura da mãe. “Toda mulher é uma mãe em potencial e quando digo mãe quero dizer alguém com um grande coração, no qual todos cabem. Um coração de amor. Se as mulheres forem mães podemos acabar com as crises do mundo, influenciar nossos filhos e maridos e fazer uma sociedade mais amável”.

Exposição fotográfica Vidas Refugiadas
Data e hora: de 08 a 31 de março, das 10h às 22h
Local: café da FNAC Paulista – Av. Paulista, 901 – São Paulo (SP)
Entrada: gratuita

Informações: http://vidasrefugiadas.com.br

por Géssica Brandino