Livros retratam histórias de sobrevivência em meio à guerra

Para a repórter Patrícia Campos Mello, autora de Lua de Mel em Kobane, o jornalismo brasileiro precisa falar sobre aquilo que afeta diretamente os refugiados

Por Géssica Brandino

Histórias de superação e luta de refugiados dentro e fora da Síria ganharam as páginas de livros-reportagens e uma história em quadrinhos para crianças. “Lua de mel em Kobane”, de Patrícia Campos Mello, e“Uma esperança mais forte que o mar”, de Melissa Fleming, apresentam diferentes ângulos sobre o conflito na Síria e “Um outro país para Azzi”, da escritora e ilustradora inglesa Sarah Garland, conta a saga de uma família para escapar da guerra, histórias que ajudam a aproximar o olhar para a realidade dos refugiados no mundo.

Livros-reportagem e uma história em quadrinho retratam a vida de quem busca o recomeço em meio à guerra (Foto: Géssica Brandino)

Publicado no mês passado pela Companhia das Letras, “Lua de Mel em Kobane” é resultado de um trabalho de reportagem iniciado em 2015, quando a repórter especial da Folha de S.Paulo Patrícia Campos Mello foi à Síria para contar a história da família do menino Alan Kurdi, cuja foto do corpo numa praia despertou o olhar do mundo para as barreiras enfrentadas pelos refugiados.

Prestes a viajar, Patrícia ficou sem fixer (ou arranjador), profissional local com vasto conhecimento e domínio dos idiomas que auxilia repórteres estrangeiros durante a cobertura jornalística. Sem o profissional, as pautas que desejava fazer não seriam possíveis. Recebeu então o contato de um jornalista chamado Barzan para assumir a tarefa. Ao conhecer o rapaz e a esposa Raushan se deparou com uma história que precisava ser contada.

Curdos sírios, Raushan vivia refugiada na Rússia com a avó e Barzan na Turquia quando se conheceram pela internet e começaram a conversar. Meses depois, se casaram e planejavam morar com a família de Barzan, em Kobane, cidade símbolo da revolução de Rojava, onde os curdos finalmente conseguiam consolidar um governo democrático e participativo, livre da repressão a qual foram historicamente submetidos. Era setembro de 2014 e tudo corria bem, até que o grupo terrorista Estado Islâmico iniciou ofensivas contra a cidade.

Barzan estava decidido a lutar para que Kobane não caísse e Raushan seguiu ao seu lado, vendo a guerra de perto pela primeira vez. O casal passou a lua de mel em meio a explosões, documentando em vídeo o que acontecia ali para atrair o olhar da imprensa internacional.

“O incrível dessa história é mostrar como as pessoas continuam tentando viver apesar da guerra. Como as pessoas conseguem fazer isso num ambiente tão triste e difícil? Por isso decidi escrever o livro”, conta Patrícia. Foram duas viagens para a Síria nas quais pode ficar com a família de Barzan e Raushan, mais de 50 horas de gravação em vídeo e diversas entrevistas feitas já no Brasil, um trabalho de quase dois anos.

Até hoje a repórter segue em contato com a família de Barzan e Raushan, que gostaram de ver a história deles narrada num livro. Mais do que o amor dos dois, Lua de mel em Kobane resgata a origem do conflito na Síria, a história de violações contra os curdos, o surgimento do Estado Islâmico e o genocídio da população Yazidi.

Para a jornalista, que já fez reportagens sobre a realidade de refugiados no Iraque, Líbia, Turquia e Quênia, a cobertura sobre refúgio, especialmente no Brasil, deveria falar sobre aquilo que afeta diretamente a realidade dos refugiados, como o acesso à moradia, idioma e trabalho. “Acho bacana mostrar as histórias, que são muito comoventes sempre, mas também temos que escrever alertando o governo e as pessoas que querem ajudar em coisas simples que podem fazer a diferença”.

Amor, perda e sobrevivência

A diretora de comunicações do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), Melissa Fleming, viaja constantemente para zonas de guerra e campos de refugiados, sempre atenta para histórias que ajudem a sensibilizar o mundo para os desafios enfrentados por refugiados.

Em janeiro de 2015, Melissa conheceu na Grécia Doaa Al Zamel. A jovem síria de 19 anos tentou chegar à Europa ao lado do noivo, mas naufragou. Sem saber nadar, ficou à deriva por quatro dias numa boia em meio ao mar mediterrâneo, com duas crianças nos braços dadas por pais desesperados que não suportaram a longa espera por resgate. Bassam, seu noivo, afundou diante dela, assim como cerca de 500 pessoas que estavam na embarcação. Apenas 11 sobreviveram, Doaa e uma das crianças que carregava estavam entre elas.

A trajetória da jovem é narrada no livro “Uma esperança mais forte que o mar” publicado no Brasil pela Rocco. Ao contar a história de Doaa pela primeira vez num discurso no Ted, Melissa fez um apelo à comunidade internacional pela abertura das fronteiras para os refugiados, pois a morte de Bassam e de milhares não podem ser em vão.

A Academia de Atenas premiou Doaa por sua bravura e ela conseguiu ser reassentada pelo Acnur na Suécia com sua família. A história da jovem será contada nas telas do cinema por Steven Spielberg e J. J. Abrams.

A saudade de Azzi         

Publicado pela primeira vez em 2012 pela editora Pulo do Gato, “Um país para Azzi” conta a história de uma pequena garotinha, que é obrigada a buscar refúgio com a família num país em que tudo é novidade: do aprendizado do idioma à nova casa.

A obra foi escrita no inverno de 2010 com base na experiência que a escritora e ilustradora Sarah Garland teve com uma família de refugiados numa pequena cidade na Nova Zelândia. Ao buscar livros que contassem histórias sobre refúgio para crianças numa biblioteca infantil, não encontrou nenhum título e decidiu contar a experiência dos refugiados para os pequenos leitores, embora consiga atinja pessoas de todas as idades com sua história.

Para Azzi, o mais difícil é a saudade que sente da avó, ponto que aproxima o olhar para uma angústia vivenciada por milhares de refugiados em todo o mundo.

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