Número de refugiados que chegam ao Rio cresce 300%

(O Globo, 06/08/2015) De 1.542 em junho de 2012 para 5.998 no mesmo mês deste ano. São pessoas de mais de 80 países, e a maioria vem da África

O aumento do número de refugiados que chegam ao Rio tem chamado a atenção da Cáritas Arquidiocesana, organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) responsável pelo atendimento a esses grupos na cidade. De acordo com a entidade, a quantidade de estrangeiros subiu quase 300% em três anos: de 1.542 em junho de 2012 para 5.998 no mesmo mês deste ano. São pessoas de mais de 80 países, e a maioria vem da África.

Há naturais de países como República Democrática do Congo, Nigéria, Senegal, Irã, Paquistão, Síria, Afeganistão e Colômbia. Homens adultos estão em maior número, apesar da chegada recente de mulheres grávidas e com crianças. Às autoridades brasileiras, eles alegam que estão fugindo de perseguições políticas, religiosas e guerras civis, e de grupos como Boko Haram e Estado Islâmico.

Em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Cáritas passou a oferecer na Uerj, no Maracanã, cursos gratuitos de português. O objetivo é ajudá-los a conseguir trabalho. Em sala de aula, professores ensinam frases usadas no dia a dia, como numa ida ao supermercado ou à farmácia, ou durante uma entrevista de emprego. Os cursos também incluem o ensino de inglês.

DE ANALFABETOS A PÓS-GRADUADOS

O perfil dos estudantes é variado. Há desde analfabetos a profissionais com pós-graduação. Algumas famílias levam os filhos para a Uerj. Enquanto os pais estudam, eles fazem atividades recreativas.

— O curso é o ponto inicial para a integração. Com esse aprendizado, eles terão a oportunidade de reiniciar suas vidas. E isso só acontecerá se eles tiverem como se comunicar com a sociedade — disse Aline Thuller, coordenadora do Programa de Atendimento aos Refugiados da Cáritas.

A verba para custear o curso está sendo viabilizada pelo MPT, que tem destinado ao projeto valores de indenizações de processos trabalhistas pagos por grandes empresas.

— Além das perseguições, essas pessoas são forçadas a deixar seus países para não morrer de fome. O Rio acaba sendo um local de refúgio, porque, assim como outros estados do Brasil, demanda mão de obra não especializada — disse Cássio Casagrande, promotor do MPT que teve a ideia de investir o dinheiro no cursos.

A maioria dos alunos é do Congo, onde os combates entre grupos armados são rotina. Assim como outros que chegam ao Brasil, esses estrangeiros precisam entrar com um pedido no Comitê Nacional Para Refugiados, do Ministério da Justiça. Só então conseguem tirar documentos e se beneficiar das políticas sociais do país.

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Mereille Mulangan, de 37 anos, veio do Congo e está há dez meses no Rio. Ela é formada em relações internacionais e fala fluentemente oito idiomas, entre eles o português, que aprendeu com facilidade nas aulas na Uerj.

— Precisei trabalhar numa região conhecida como Kivu do Sul e fui surpreendida por militares, que me ameaçaram somente porque eu era da mesma região de um grande oposicionista do governo. Mas eu não tinha nenhum contato com ele. Mataram minhas duas tias e um tio — contou ela, que, mesmo aguardando autorização para permanecer no país, já foi convidada pela Cáritas para trabalhar junto a outros refugiados na cidade.

Do outro lado da briga, a vítima foi a congolesa Fidelina Kuyeye, de 30 anos. Seu marido era policial e foi assassinado por grupos separatistas. Ela chegou ao Rio há dois meses e deixou a filha com a mãe, prometendo voltar para buscá-la. Mas, na semana passada, Fidelina recebeu uma ligação de uma amiga informando que a mãe fora morta e que ninguém sabia do paradeiro da filha.

— Estou na casa de um amigo, dormindo no chão. Passei o dia inteiro tomando água. Não tenho dinheiro para comer e estou dependendo da piedade dos brasileiros para sobreviver — disse.

Já o colombiano Juan Antônio, de 64 anos, e a mulher dele, Maria de Lurdes, estão há oito meses no Brasil. Eles vieram da cidade de Buenaventura, onde atuam grupos paramilitares e de traficantes. Juan era taxista e, sem saber, transportava integrantes de quadrilhas rivais. Por isso, foi jurado de morte. Já no Rio, enfrentou dificuldades com o idioma:

— Quando cheguei ao Rio, as pessoas falavam comigo e eu não entendia.

PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA NO PAQUISTÃO

Quem procurou ajuda ontem na Cáritas foi Luqman Muhmmad, um paquistanês de 21 anos que deixou seu país por causa de perseguição religiosa. Ele é de um movimento chamado Ahmadiya, cujos integrantes não podem se declarar muçulmanos, sob pena de prisão.

— Dei sorte porque conheço uma paquistanesa que mora em Petrópolis e me acolheu — disse o jovem.

De acordo com a subsecretária estadual de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos, o Rio está se preparando para receber cada vez mais refugiados:

— Estamos pensando em como resolver a questão dos abrigos e buscando parcerias. Não podemos discriminar essas pessoas. Temos de acolhê-las.

Para o porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidades Para Refugiados (Acnur), Luiz Fernando Godinho, o Rio passou a receber um número maior de refugiados em razão dos grandes eventos sediados na cidade.

Em nota, o Ministério da Justiça disse que “o mundo bateu recorde de número de refugiados no ano passado. São 19,5 milhões de refugiados e quase 60 milhões de deslocados (…). E isso tem impacto no Brasil”. O órgão preside o Comitê Nacional de Refugiados (Conare), grupo composto por representantes de outros ministérios, da Polícia Federal, da Cáritas e do Acnur. Ele é responsável por deferir ou não os pedidos de refúgio no Brasil.

ALESSANDRO LO-BIANCO

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