Direito a voto, nova legislação e melhor atendimento a imigrantes
(Géssica Brandino e Rodrigo Veronezi/Brasil de Fato) Direito a votar e ser votado. Substituição do Estatuto dos Estrangeiros por uma lei que contemple os direitos humanos da população imigrante. Melhorar o atendimento e garantir o acesso e a permanência nos serviços públicos. Desburocratizar procedimentos e dar celeridade aos processos para emissão do Registro Nacional de Estrangeiro. Essas foram algumas das 57 propostas aprovadas pela 1º Conferência Municipal de Políticas para Imigrantes de São Paulo, que ocorreu na capital paulista de sexta (29/11) a domingo (1/12).
Realizada pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo, o evento reuniu imigrantes de 35 nacionalidades e mais de 300 participantes. Estiveram presentes representantes do governo federal, estadual, Congresso Nacional, consulados e membros de diversas entidades que trabalham com imigrantes e refugiados. Mais da metade da população imigrante do país reside no estado paulista.
Morador de São Paulo há 28 anos, o imigrante boliviano e agente comunitário de saúde Jorge Gutierrez Lopez tem contato diário com imigrantes das diferentes nacionalidades que vivem na cidade e pode verificar de perto a realidade de cada um. Para ele, o voto é essencial para o reconhecimento dos direitos dos imigrantes no país. “Vejo como grande necessidade do imigrante é o direito ao voto. Nós, como moradores de São Paulo, contribuímos como qualquer brasileiro, porque pagamos impostos”.
Entre as propostas encaminhadas pela conferência está o apoio a PEC 347/2013 para dar ao imigrante o direito ao voto e candidatura.
Na sexta-feira (29), foi assinado um decreto criando cadeiras para imigrantes nos conselhos deliberativos de 22 das 32 subprefeituras de São Paulo que têm mais de 0,5% da população composta por imigrantes, de acordo com o Censo de 2010 do IBGE. As inscrições para a participação começarão no dia 24 de janeiro e as eleições serão em 30 de março.
Melhor atendimento
A boliviana Jobana Moya reivindicou na Conferência uma queixa recorrente ao longo do evento, por imigrantes das diversas nacionalidades: a melhoria do atendimento na rede pública. “Estamos lutando para que em nossa vida cotidiana sejamos menos discriminados, sejamos melhor acolhidos e tenhamos de fato acesso aos serviços públicos”, defendeu a voluntária da Convergência Cultural das equipes de base – Warmis, palavra que significa mulheres em quéchua.
Grávida de cinco meses e mãe de uma menina de três anos, Jobana acompanhou de perto o sofrimento das bolivianas obrigadas a fazer cesárea e defende a criação de uma casa de parto para mulheres imigrantes. “A indústria do parto mete muito terror nas mulheres. É uma violência muito grande e traumática, na qual pouco se fala. Acho que o sistema de saúde pública tem que melhorar para todos. Não é uma luta só das mulheres imigrantes, mas também das brasileiras”.
Entre as propostas da Conferência, está a qualificação, sensibilização e capacitação dos profissionais dos serviços públicos de diferentes áreas quanto aos direitos dos imigrantes e a cultura de cada um. Com isso, o que se espera é evitar xenofobia,bullying e qualquer tipo de discriminação e racismo.
Celeridade
Há um ano e nove meses no Brasil, o jornalista Alphonse Nyembo, da República Democrática do Congo realiza trabalhos de tradução, mas ainda não tem emprego fixo. Solicitante de refúgio, ele recebeu um protocolo que tem sido renovado a cada três meses, enquanto aguarda o parecer do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) sobre seu pedido. Para ele e outros refugiados, acelerar esse processo é uma urgência. “Dá para fazer algumas coisas com esse protocolo, mas muitas instituições não aceitam esse documento. Isso complica muitas coisas. Falam que você não está legalizado aqui. Esperamos que essa conferência ajude a quebrar essas barreiras”.
Para o presidente da Associação Islâmica de São Paulo, Mohamad il Kadri, a Conferência foi uma oportunidade para mudar a situação cultural do país e melhorar o acolhimento dos refugiados. “É preciso dar assistência para colocar a disposição dos refugiados e imigrantes os aparelhos públicos e incluí-los nos projetos sociais existentes”, defende. A Associação auxilia os refugiados sírios na cidade.
Uma das propostas da Conferência é a formalização do protocolo e a criação de uma certidão na qual constem os direitos dos refugiados para facilitar o atendimento.
Políticas transversais
Para o secretário, a Conferência contribuiu para apontar falhas e cobrar uma melhor organização do poder público para garantia dos direitos aos imigrantes. “Não existe uma cultura na gestão pública de trabalhar as políticas de forma transversal e essa é uma tarefa da nossa secretaria. A Conferência foi o momento importante para sensibilização de vários setores do governo para o trabalho com a população imigrante”, reforça.
Para a representante da Secretaria da Justiça e Promoção à Cidadania do Estado de São Paulo, coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e da Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo, Juliana Armede, é preciso criar o espírito de colaboração entre o governo e sociedade civil. “Temos expectativa de aproximar cada vez mais as pessoas, para que visualizem as deficiências das três esferas de governo e percebam que é preciso participar e colaborar”.
O texto final das propostas foi debatido, modificado e aprovado pela plenária geral da Conferência e agora será encaminhado para a etapa nacional. “Por ter sido a primeira Conferência de Imigração no Brasil, podemos dizer que foi um grande sucesso envolver os imigrantes nesse debate público de como deve ser a nossa política tanto no município quanto a nível nacional”, destaca a coordenadora adjunta da coordenadoria de Políticas Públicas para Imigrantes da prefeitura, Camila Baraldi.
Etapa Nacional
A Conferência elegeu 50 delegados que levarão as propostas para a Conferência Nacional de Imigração no próximo ano. Para o coordenador da etapa nacional, o secretário nacional de Justiça do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, os debates realizados em São Paulo servirão como base para as discussões das demais conferências em todo o Brasil e ajudarão a mudar a abordagem sobre a questão migratória.
Nos últimos seis meses, um grupo de especialistas designado pela Secretaria de Justiça realizou uma série de audiências públicas e estudos para a criação de um anteprojeto de uma lei de imigrações, cuja proposta deve ser apresentada dentro de dois meses. A partir disso, serão realizados debates públicos, coleta de sugestões da sociedade civil e discussões com os atores governamentais importantes na política migratória e com o Congresso Nacional para encaminhamento do texto ao legislativo.
“Trabalhamos com conceito de sair do paradigma de uma lei de estrangeiros que ainda está inspirada na doutrina da segurança nacional, que coloca o imigrante como inimigo de potencial risco, para uma legislação que o coloque no centro das políticas públicas, como cidadão com os mesmos direitos dos nacionais brasileiros”, afirma o secretário nacional, Paulo Abrão.
Acesse no site de origem: Direito a voto, nova legislação e melhor atendimento a imigrantes (Brasil de Fato, 04/12/2013)