Refugiados promovem fórum sobre entraves no processo de reintegração

O Fórum promovido por refugiados gerou um manifesto com a formulação conjunta de propostas para superar dificuldades enfrentadas pelos refugiados 

Ser prejudicado pela falta de documentação é um problema que Pitchou Luambo já sentiu na pele. Vindo da República Democrática do Congo (RDC), ele chegou há quatro anos em São Paulo. Na época, o número de solicitações de refúgio era pequeno e em dez meses ele obteve o status de refugiado e o Registro Nacional de Estrangeiro (RNE). Advogado na terra natal, no Brasil ele foi levado a mudar de área. Depois de conseguir a carteira de habilitação, foi  contratado como operador de empilhadeira. A dificuldade veio quando precisou renovar o RNE. Precisou esperar meses. A habilitação perdeu o valor. Diante da demora para obter a resposta e sem documento para a função que exercia,  perdeu o emprego.

DSC_0528Junto a outros refugiados da RDC e outros países, Pitchou foi um dos criadores do Grupo de Refugiados e Imigrantes sem teto de São Paulo (GRIST), que integra o Movimento Sem Teto do Centro (MSTC). O coletivo busca conscientizar imigrantes e refugiados sobre a oportunidade de acessar o programa federal para moradias, o Minha Casa, Minha Vida. Para isso, porém, uma das barreiras enfrentadas tem sido a falta de documento.

Para pensar em soluções conjuntas para o problema, o GRIST promoveu neste sábado (30/5) o 1º Fórum Morar no Refúgio, que reuniu representantes do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, MSTC, governo e prefeitura de São Paulo e organizações que lidam com a temática do refúgio.

Refugiados e imigrantes dividiram com os participantes as dificuldades que têm enfrentado com a falta de documento, seja por ter tido a solicitação de refúgio negada, ou por dificuldades burocráticas que impedem o aluguel de um imóvel, a abertura de conta em banco ou a validação de um diploma.

Coordenadora geral do MSTC, a migrante nordestina Carmen da Silva Ferreira lembrou as dificuldades que enfrentou ao chegar a São Paulo, onde é preciso escolher entre comer ou pagar o aluguel.  “A ocupação é a consequência da falta de políticas públicas e o meio de chamar atenção para o problema da especulação imobiliária”, afirmou.  Quando conheceu a realidade dos refugiados e imigrantes, a falta de estrutura para o acolhimento ficou novamente evidente. “Nosso problema é o mesmo do mundo inteiro: a falta de política pública para o trabalhador de baixa renda. Somos a minoria em recursos, mas a maioria em sofrimento”.

O aumento do número de pedidos de refúgio nos últimos anos foi abordado pela coordenadora do programa de Proteção da Cáritas, Larissa Leite. O número de solicitações de refúgio recebidas pela instituição em São Paulo passou de 1022, em 2012, para 3185, até novembro de 2014. A nível nacional, segundo as últimas estatísticas do Conare, o número de pedidos aumentou mais de 1.255% entre 2010 e 2014, passando de 566 para 9292 pedidos.  O Brasil tem hoje 7662 refugiados de 81 nacionalidades.

A Cáritas acompanha de perto as dificuldades enfrentadas pelos solicitantes de refúgio na cidade de São Paulo devido à morosidade na tramitação do pedido de refúgio e advoga junto ao Conare por soluções para os problemas identificados.  Os advogados da instituição também são responsáveis pela elaboração de uma análise individual da situação de cada solicitante de refúgio que chega a São Paulo. O estudo serve de base para auxiliar o Conare a analisar os pedidos e evitar decisões injustas.

O oficial de proteção do Acnur, Gabriel Godoy explicou que o Alto Comissariado tem realizado encontros com refugiados para promoção de diagnósticos participativos, para identificar formas de sanar os gargalos existentes na política de refúgio do país. O mais recente avanço foi a publicação de uma portaria do Ministério do Trabalho e Emprego que busca desburocratizar a emissão de carteiras de trabalho para estrangeiros.

“Começamos a caminhar em direção à igualdade de condições entre os refugiados e os nacionais. Acredito que a solução é pensar em um Plano Nacional de Políticas de Atenção aos Refugiados em conexão com as políticas municipais e estaduais. O grande desafio que temos hoje, para um Brasil que tem mil pedidos de refúgio por mês, cerca de 12 mil solicitações à espera de julgamento, cerca de 8 mil refugiados reconhecidos e quase 30 mil haitianos solicitantes de refúgio, é buscar estruturas sólidas nos três níveis da federal para processar essa matéria não mais com enfoque em segurança, mas na perspectiva de direitos”, destacou.

A nível mundial, o representante do ACNUR no Brasil, Andrés Ramirez, ressaltou que para o Alto Comissariado a situação é “gravíssima” e que o mundo tem passado pela “maior crise de refugiados pós 2ª Guerra Mundial”.  No Brasil, o crescimento do número de pedidos fez com que o tema deixasse de ser uma questão menor.

Segundo Ramirez, São Paulo é hoje, em termos números, a cidade que mais tem recebido solicitantes de refúgio na América do Sul, mas precisa avançar em termos de políticas públicas. Para o representante do ACNUR a necessidade de uma campanha para conscientizar a população de São Paulo, e também de outros estados, sobre a realidade dos refugiados e imigrantes é urgente para que a xenofobia não avance ao ponto de impedir o acesso a direitos.

“Essa não é uma questão de solidariedade, mas uma obrigação do Estado brasileiro, por ser signatário da Convenção sobre refugiados. Temos que avançar no sentido concreto, para que possam ser criados mecanismos para que os refugiados sejam beneficiados pelas políticas públicas que existem. Sabemos que, com exceção do Estatuto do Estrangeiro, o Brasil tem leis boas. O problema que enfrentamos é identificar como essas leis podem beneficiar as pessoas que estão aqui”, ressaltou.

O tema será colocado novamente em debate amanhã (04/06), na mesa redonda “Diálogos sobre Solidariedade, Convivência e Integração de Refugiados em São Paulo”, promovida pelo ACNUR. O evento será no Centro Cultural de São Paulo,  a  partir  das 9h30,  com a participação de refugiados,  representantes  do Poder  Público e  da sociedade civil.

Demandas

A partir do debate junto a autoridades no tema e entre grupos de trabalho, foi criado o Manifesto Morar no Refúgio, identificando demandas e propostas para solucionar problemas institucionais e legislativos, estruturais e de comunicação enfrentados por refugiados e imigrantes cotidianamente.

Demandas já diagnosticadas durante o processo da Conferência Nacional de Migrações e Refúgio (COMIGRAR), há um ano, apareceram novamente, apareceram novamente, como a substituição da Política Federal por uma nova institucionalidade civil para lidar com fenômenos migratórios; a criação de uma nova legislação de migrações; a realização de campanhas de conscientização  sobre a validade do Protocolo de Permanência Provisória; o aumento de vagas em cursos de português e em abrigos específicos para migrantes; procedimentos unificados para validação dos diplomas nas universidades; e a formação dos agentes públicos em idiomas para o atendimento dos solicitantes de refúgio, refugiados emigrantes.

Para resolver as demandas de comunicação, a proposta é de criar meios integrados para instituições públicas e privadas, e aquelas que atuam como o tema em busca de esclarecer sobre direitos e otimizar ações.

Os participantes também solicitaram a realização de uma audiência pública que permita dialogar com o legislativo sobre o PLS 288/2013. Outra proposta foi a criação de um Observatório Municipal de Políticas para Solicitantes de Refúgio, Refugiados e Migrantes, que além de aceitar denúncias de violações de direitos, prestaria orientações sobre procedimentos e integraria as instituições existentes que lidam com o tema.

Confira aqui o Manifesto Morar no Refúgio